Usava um vestido com alças no meu primeiro dia de aulas. Era muito, muito alta. Se a visse hoje, seria alta. Tinha 52 anos. Faltou às aulas, em quatro anos de aulas, 4 vezes: ia uma vez por ano a uma consulta de oncologia. Fora isso, nunca faltou, chovesse ou fizesse sól.
Era muito, muito alta e usava sempre saias compridas e com uma racha à frente e outra atrás, umas rachas muito grandes. Não sei se na altura era moda. E parece-me que na altura de agora a palavra racha não pode deixar de ser entendida de outra maneira.
Acho que pensava que nós não dávamos por essas coisas. Não sei se os outros davam. Eu passei quatro anos a olhar para umas pernas magníficas, quatro anos a olhar para umas pernas por entre pedaços compridos de saia que formavam aquelas rachas. E tinha medo que a minha professora da primária descobrisse em que é que eu pensava. E tinha muito medo que ela reparasse que eu reparava para aquilo que ela não esperava que eu reparasse. Mas acho que nunca reparou. E se reparou pensou que seria por outra razão. E enquanto não reparava, eu reparei sempre.
Usava collants côr-de-pele. E acho que esses collants tinham uma parte mais densa e opaca que servia como roupa interior. Acho que os collants eram portanto toda a sua roupa interior. E usava uns sapatos de salto não muito alto e femininos.
Tinha um coração de filigrana ao peito e o anél de casada preso ao fio.
Ensinou-nos uma matéria que acho que não estava programada: cultura e tradições portuguesas, província a província.
Acho que vivia no Lumiar e às vezes andava no carro do filho, que era branco e descapotável, do tipo boogie.
E o seu nome, não sendo esquisito, nunca o soube em outra pessoa.
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