4 de fevereiro de 2009

Isolamentos

Image and video hosting by TinyPic

Triste com a imagem captada, ao chegar a casa fui espreitar um daqueles autores que admiro pela lucidez e sensibilidade para questões sociais. Continuo a pensar que os seres humanos têm nomes, narrativas de vida, não devendo ser encarados enquanto meros números:

O encerramento de uma escola rural é um passo importante para apressar a morte da aldeia e da respectiva comunidade.
A defesa da sobrevivência do mundo rural e dos seus habitantes como os nossos “guardadores de paisagens”, configura-se não como uma preservação do passado, mas sim, como uma salvaguarda do futuro.
Só assim poderemos passar de uma educação ainda centrada no “aprender a ter”, para a concretização da divisa educativa, cara aos fundadores da educação permanente, de “aprender a ser”.

Rui Canário

14 comentários:

carlos disse...

o encerramento das escolas no mundo rural não é passo para coisa nenhuma, acho eu.

a desertificação do mundo rural é que provocou o encerramento das escolas.

há um estranho hábito de confundir as causas com as consequências.

em fajão a escola fechou no final do último ano lectivo.
tinha 4 alunos, repartidos por todo o ensino básico.
e uma professora desmotivada.
4 miudos que se viam durante todo o dia como se viam durante todos os dias. os ganhos com as trocas de experiências eram nulos.
hoje estão numa escola com mais de 100 alunos.
têm imensos amigos novos.
têm muito mais actividades, alargamento curricular, estão satisfeitos.
fajão ficou mais deserto por a escola ter fechado?
não.
ficará mais deserto se deixar de haver trabalho.
não por causa da escola

teresa disse...

É possível, Carlos, embora me pareça que em alguns casos o encerramento também ajude a "matar" algumas aldeias. Há alguns meses vi uma reportagem em que os pais portugueses optaram por colocar uma filha numa escola da Galiza, é que nem todos os locais ficam acessíveis...
Não duvidando que do ponto de vista da socialização alguns miúdos beneficiaram por ter mudado para escolas maiores, tenho também conhecimento de autênticos "aviários" despersonalizados que abriram por esse país fora: o futuro será - e já sucede - o de transformar classes de 10 em classes de 30 com todas as desvantagens inerentes (mais "números", menos "indivíduos").
Como trabalho no terreno, apesar de serem os meus alunos de outro nível etário - e remeto para o documentário "Être et Avoir" - digo com toda a sinceridade e com a experiência de 25 anos, que sonhava em trabalhar com um pequeno grupo. Uma das experiências mais gratificantes que tive até hoje foi a de uma turma de 11º ano de artes (hoje seria impossível) formada por 10 alunos: a empatia e mais-valia pedagógica foram memoráveis.

carlos disse...

na esmagadora maioria dos locais que conheço, as juntas de freguesia colocaram transportes escolares à disposição das crianças.
a distância não é problema.
alguns pais queixam-se das crianças andarem de carro meia hora (ou uma hora que seja) até à escola.. em vez dos 2 minutos que demoravam quando a escola estava na aldeia.
qualquer criança de lisboa pode dar explicações sobre transportes para ir à escola e lisboa não corre o risco de ficar deserta, infelizmente.
aqui no minho há muito o hábito de saltar à galiza por tudo e por nada.
especialmente por nada.
ontem ouvia a conversa duma senhora que ia à consulta a vigo porque não esperava e no hospital de barcelos tinha que esperar imenso tempo.
acho que em qualquer consultório de barcelos teria o mesmo atendimento: mas as pessoas gostam de comparar o que não é comparável.
penso que tens ligações a paredes de coura.
é um bom exemplo de um centro escolar onde todas as crianças sairam beneficiadas. e onde quase todas têm transporte escolar assegurado.as aldeias do concelho ficaram desertas?
se ficaram foi porque as às águas fecharam, a transcourense não está nos melhores dias com aa baixa do consumo....
mas nãa ficaram desertas as aldeias por causa das escolas.
é o oposto.
mas algumas vezes nós, os urbanos, olhamos para as aldeias como uma coisa intocável e imutável, e vagamente estranha.
e acreditamos muito quando ouvimos as pessoas a queixarem-se em frente a um microfone.

teresa disse...

"Sobre o elogio (ou elegia?) ao fecho das escolas de aldeia - reflexão sobre interior e litoral":

http://bioterra.blogspot.com/2009/01/elogio-o-fecho-das-escolas-de-aldeia.html

teresa disse...

Quanto ao teu último comentário (enviei um link exactamente ao mesmo tempo): tenho ligações a Paredes de Coura- embora não vá lá há décadas- concordo tratar-se de um "exemplo". Também sei da atitude bem nacional "além fronteiras é que é bom". No entanto, continuo a enfatizar - com conhecimento de causa - que alguns depósitos escolares deveriam ser divulgados com imagens...e foram feitos para substituir pequenas escolas. O director do centro das Taipas defendia há tempos que uma das frentes de combate á toxicodependência é a criação de diversas escolas pequenas e não de poucas escolas com muitas centenas ou milhares de adolescentes. Concordo com ele, pois já leccionei em escolas com 3000 alunos e noutras com 700 e constato a diferença(isto já é uma outra "estória")...
Quanto ao caso da miúda que vai às aulas na Galiza, a escola galega fica a pouco mais de uma dezena de quilómetros e a escola em solo nacional, consideravelmente mais longe, a quase 2h de distância... A mãe da miúda é professora, e o caso passa-se no nordeste transmontano e não no Minho.
Quanto a "coisas a correrem bem..." (ironia amarga), saliento ainda o caso de um familiar com problemas de deficiência que mora na "linha" e ficou em casa a aguardar "melhores dias", só tendo começado a ir à escola - com turma própria para alunos com deficiência - há um mês, pois a sala nunca mais estava pronta para acolher estas crianças. Se pensarmos que o ano escolar começou há 5 meses...:(

carlos disse...

esclarecendo a questão dimensão:
eu não concordo que o 'tamanho' seja importante (aqui, como noutras coisas).
acho mesmo criminoso (do ponto de vista penal) escolas com milhares de alunos; criminoso (do ponto de vista educativo) turmas com 30 alunos; criminoso (do ponto de vista funcional) conselhos directivos com gente que não tenha disponibilidade completa para exercer essas funções (faz-me lembrar algumas cooperativas de comerciantes onde os directores estão o dia tudo no seu pequeno retalho e ao fim do dia a gerir uma cooperativa que factura milhões).

a caso da filha da professora está a duas horas de distância (penso que uma hora para cada lado, ou daria para ir de miranda a bragança e volta...) da escola, a culpa não está na escola: está na aldeia.
pode parecer muito seco dito assim, mas a aldeia ficou deserta antes de lá terem fechado a escola.

o mal é mais grave, portanto.
e está a montante da escola.
está na falta de trabalho que sempre foi maior no interior (porque os custos de produção e logística aí são mais caros) e será cada dia maior.
infelizmente as pessoas tendem a organizar a sua vida em torno das cidades e não nas aldeias.
as escolas continuarão a fechar.

ABS disse...

Quando li este post (agora mesmo, que tenho andado noutras paragens) pensei o mesmo que o Carlos, talvez de forma mais violenta. Não temos o direito de querer preservar "as aldeias", esse mito bucólico habitualmente idealizado por urbanos, à custa dos que lá estão. A maioria são sítios inóspitos em que tudo falta, do conforto físico ao intelectual.
Adoro o campo. Para lá ir e voltar para casa, em meio urbano, com tudo perto. A lógica de vizinhança campestre é uma lógica de sobrevivência, absolutamente nada mais. Poderá aquecer as almas, particularmente nos dias urbanos de solidão; mas não se sobrepõe ao pragmatismo que faz das cidades, mesmo as mais desagradáveis, lugares de atracção irresistível ou inevitável para a maioria.
Isto dava ainda muito pano para mangas...

teresa disse...

1)- talvez nunca venha a ser pragmática, mas "I have a dream": o de ver as aldeias como locais onde se tenha verdadeira qualidade de vida. Vivi alguns tempos num 7º andar com vista para prédios e não sinto que a tivesse: logo que pude, fugi (é certo que o país tinha características ainda menos apelativas do que o nosso e pairava o "espectro" de o anterior habitante se ter lançado da varanda, o que faziam o favor de me lembrar...);
2)- também sei que vivo na aldeia, mas com qualidade/possibilidade de ir à cidade sempre que preciso de trabalhar, aproveitando-a para lazer provavelmente,mais do que muitos que por lá vivem, o que me poderá converter numa tendenciosa;
3)- eu sei que há quem goste de me chamar à terra(Alô, marciana!)e de dizer: "não penses que podes mudar o mundo", mas esta lógica de mercado baseada no lucro e na competição, "valha-me S. Gregório!";
4)- a ideia do fecho das escolas poderia ter tido subjacente um bom princípio, como já referido, quanto mais não fosse o da socialização. Só que na prática(e aqui estou no terreno e não na bancada) foi o do "combate ao défice", atirando miúdos "aos montes" para betão descaracterizado, em grande parte dos casos (ou então para os tais "contentores pedagógicos" que o nosso PM até pensou - dado não ter feito o trabalho de casa - que se tratava do local onde eram guardados os equipamentos para as obras!):(

T disse...

Completamente de acordo com a ideia negativa em relação às escolas cocebidas como grandes depósitos de alunos.
Em relação à velha questão aldeia versus cidade, talvez a situação da Teresa seja a ideal. Viver o suficientemente próximo para fruir do que melhor tem a urbe. E no entretanto gozar as vantagens da aldeia. Quem me dera uma horta!

ABS disse...

Viver na aldeia e usufruir da cidade será possível quando existirem métodos de transporte não poluentes. Até lá não se recomenda, a bem do planeta.
Por outro lado, o tempo dispendido em deslocações é precioso. Sei do que falo em primeira mão - desde o tempo em que morava bem perto da terra da Teresa e me levantava às cinco e meia da manhã para vir para Lisboa, até hoje, em que atravesso a rua para ir trabalhar. Entre os extremos, prefiro claramente o segundo.

Quanto à lógica de mercado e de competição, ela existe desde que há dois seres frente a frente. É um facto da vida.
A descaracterização do betão, essa, não é o produto da vida nas cidades, mas da nossa incultura e atraso, resultado de se viver nas berças da civilização. Quem tiver dúvidas que visite as cidades de média dimensão do Norte da Itália, da Suíça, da Áustria, etc.

teresa disse...

Pois é, T.
Eu sou suspeita: sou uma "aldeã" privilegiada. No entanto, esta aldeia tem outros habitantes menos privilegiados que não a trocariam pela vida suburbana, já que muitos dos que alimentam a multidão citadina durante o dia vivem nos arredores, em aglomerados de betão sem um único espaço verde por perto (é ver o Cacém, Rio de Mouro, etc.). Infelizmente, não considero Lisboa uma cidade suficientemente viva, custa olhar para a Baixa na actualidade ou para as ruas desertas após os horários de trabalho. Lisboa torna-se, então, numa cidade fantasma:(

Anónimo disse...

Teresa,

Concordo em absoluto consigo, na sua última exposição, e mais, concordo a 105%, no que diz respeito há cidade de Lisboa, nomeadamente, a Baixa.

Um abraço,

Fernando

teresa disse...

Fernando,
se compararmos o número de habitantes "efectivos" da cidade de Lisboa com o de outras capitais, ficamos apreensivos. Falta-lhe "vida real": tirando zonas restritas que são essencialmente residenciais, tudo se transforma em instituições bancárias e outros serviços, povoados diariamente por habitantes dos dormitórios... "qualidade de vida?", tenho sérias dúvidas.
Os espaços das noites de fim-de-semana, populares entre os mais jovens, não têm a autenticidade de outros espaços urbanos sendo, também eles, ocupados por quem vem "de fora".
Lá vai o tempo em que os amigos me diziam: gosto de Lisboa no Verão, porque é quando a tenho só para mim, quando todos saem é quando me apetece ficar. Há poucos anos atrás, tendo ido com o meu pai(ainda era vivo)tomar um café à pastelaria Roma (pouco depois encerrou), dizia-me ele: "há 30 anos atrás, todos aqui nos cumprimentávamos e sabiamos quem eram as pessoas e onde moravam".

Anónimo disse...

Teresa,

no meu ponto de vista, é essencial, que hajam muitos mais habitantes, a residirem em Lisboa.
É impossível, com os preços que se praticam na actualidade, no mercado imobiliário, trazer uns bons milhares de pessoas, a virem viver para a cidade.

Já agora aproveito para lhe dizer o seguinte. Não tenho nada contra o Mcdonald`s, mas tenho pena de que uma das mais famosas pastelarias da capital, tenha fechado.
Refiro-me precisamente há Pastelaria Roma.

Fernando