2 de fevereiro de 2007

Claridade dentro de outra

Andei à procura das Memórias do Raul Brandão, para ler como ele conta o regicídio bem evocado pelo caro Bic aqui .Em pequenina tinha medo deste livro que me pelava: tinha as fotos do Buiça morto.
Para variar distraí-me e fiquei a ler, sentada no corredor, pedacinhos das Miniaturas, de Norberto Araújo. É um livro cheio de ternura, dedicado à filha, Ernestina.

"Tenho um candeeiro de três bicos, que vem de longe. Serve de ornamentação, em regra, tanto a velharia hoje é cousa essencial. Suas torcidas secaram e os atributos do objecto histórico têm já manchas de verdete. É raríssimo utilizá-lo. Mas, mesmo pôsto de lado, eu tenho amor ao candeeiro. Na complicação da vida moderna, a sua simplicidade ameniza. Para ler uma carta de Vieira, um soneto de Quental, a luz mortiça quebrada no reflector, tem luar. Uma confidência esconde-se na sua luz velada como uma claridade dentro de outra. A seguir à civilização do azeite,toda a iluminação é bonita, mas bonita como a beleza do pó de arroz. Vindo de fora, ameaçada a vontade de afundar-se nas convulsões do oceano moderno, ou quando os graves problemas da alma dançam em frente da consciência, sem saber por onde seguir, reclama-se o candeeiro de três bicos(...)"

Talvez eu ande à procura exactamente desse mesmo candeeiro, quem sabe.Gosto tanto desta frase "claridade dentro de outra". Fiquei nostálgica. É isso.
Desenho de Columbano

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