16 de fevereiro de 2009

BRANDOS COSTUMES... E NÃO SÓ!

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Olha aquelas mulheres envelhecidas na bicha do “Minipreço”, da Rua Morais Soares. Gestos lentos de colocar, no saco de plástico, comida para os animais. Algumas têm todo o ar de passar privações para que aos animais a comida não falte. Tratamos assim os amigos.
Uma longa bicha, porque faltam trocos, porque este é um bairro de gente velha e conferem a conta, parcela por parcela, ali junto à caixa, sem arredarem pé, o medo de serem enganados, qualquer coisa que lhes ficou da infância: “não te deixes enganar!”
Ele está mesmo ao pé dos chocolates que o olham e ele olha para os chocolates, mas desvia rapidamente o olhar: o colesterol, o sangue grosso, o raio que os parta. É quando a conversa de duas velhas lhe chega aos ouvidos: “Uma pouca vergonha! Não há respeito nenhum, só falta coisarem no meio da rua”
Fez um largo sorriso, aquele “coisar” soube-lhe ao princípio do mundo. O alvo da conversa eram os jovens que se abraçam, que se beijam, quando muito bem lhes apetece e apetece muito. Quem conversa é gente que viveu os seus desejos na clandestinidade, nos vãos de escada, nos bancos traseiros de um carro, ou nada disto. A mesma gente que amiúde, por tudo e por nada, desabafa: “o que faz falta é outro Salazar!...”
Lembrou-se desta cena quando, no meio das arrumações em que tem andado, encontrou um velho recorte de uma portaria publicada pela Câmara Municipal de Lisboa, corria o ano de 1953 e destinada a aumentar o policiamento em zonas então consideradas “quentes”.
Reza assim:

“Verificando-se o aumento de actos atentórios à moral e aos bons costumes, que dia a dia se vêm verificando nos logradouros públicos e jardins, e, em especial, nas zonas florestais de Montes Claros, Parque Silva Porto, Mata da Trafaria, Jardim Botânico, Tapada da Ajuda e outros, determina-se à Policia e Guardas Florestais uma permanente vigilância sobre as pessoas que procurem frondosas vegetações para a prática de actos que aventem contra a moral e os bons costumes. Assim, e em aditamento àquela Postura nº 69.035, estabelece-se e determina-se que o artº 48 tenha o cumprimento seguinte:
1º) Mão na mão: 2$50
2º) Mão naquilo: 15$00
3º) Aquilo na mão: 30$00
4º ) Aquilo naquilo: 50$00
5º ) Aquilo atrás daquilo: 100$00
Parágrafo único com a língua naquilo: 150$00 de multa, preso e fotografado”

Em 1953 ele tinha 8 anos. e foi este o Portugal em que e ele e muitos foramcrescendo e sabe que muita desta gente não consegue ver mais além do que foi o seu limitado mundo. Recorda-se que havia, entre rapazes e raparigas, uma distância, uma separação absoluta. As escolas não aeram mistas. Havia brincadeiras de rapazes e brincadeiras de raparigas. Na rua os rapazes jogavam à bola, as raparigas espreitavam-nos atrás das cortinas das janelas. As festas de aniversário, quando as havia, eram a única hipótese da possibilidade de um pingo de convívio e, mesmo assim, muito rigorosamente vigiado.
Foi este o Portugal de que tentámos escovar-nos e, possivelmente, sem resultados muito claros, ou sem resultados de qualquer espécie. Esse Portugal que o Alexandre O’Neill deixou bem retratado: “às duas por três nascemos, às duas por três morremos e a vida não a vivemos, não somos mais que solidão e mágoa…Ó Portugal, se fosses só três sílabas, linda vista para o mar, meu remorso, meu remorso de todos nós”. Assim como a declaração que o mesmo O’Neill lançou ao “botas” de Santa Comba:

“Você tem-me cavalgado,
seu safado!
Você tem-me cavalgado,
mas nem por isso me pôs
a pensar como você.

Que uma coisa pensa o cavalo;
Outra quem está a montá-lo.”

3 comentários:

T disse...

Olha engraçado escrevi o meu post sem ter lido o teu, risos.

Anónimo disse...

...bem apanhado Gin-Tonic !

JA

Anónimo disse...

E tudo acontecia como hoje, mas às escondidas! Também sou do tempo das escolas para rapazes e outra para raparigas e lembro-me bem que, na aldeia da minha mãe, namoros só com alguém a acompanhar o par e mesmo assim cada um do seu lado da estrada. O que me parece é que se passou do 8 ao 80. Será bom?! Não sei.
Beijinhos
Inês