29 de janeiro de 2007

expliquem-me assim como se eu fosse muito burro



os defensores do não no próximo referendo utilizam como seu máximo argumento o direito do feto à vida; o direito consagrado na constituição à inviolabilidade da vida; que não se trata de uma interrupção mas sim da morte daquele ser vivo; e que a questão da vida nem deve ser discutida.

aceitaria estes pressupostos, se assim fossem.

como, de facto não é isso que está em causa neste referendo, mas apenas se um mulher que decide abortar até às 10 semanas, independentemente das razões que a levam a isso, deve ou não ser presa, o defensores do não afinal já discutem aquilo que devia ser uma questão inquestionável e indiscutível.

e discutem pelo argumento que apela àquilo em que os portugueses mais manifestam a sua natureza rasca: o dinheirinho dos impostos .


não há, de facto, nada em que os portugueses se mostrem tão individualistas, não solidários, avarentos, mesquinhos, e cegos de razões, do que relativamente aos impostos que supostamente pagam de acordo com a lei.
os do norte acham que no sul não deve haver aeroporto, mas acham que no norte deve haver um melhor; os que não andam na crel acham que esta deve ter portagens, mas ao mesmo tempo acham que a a29 sem portagens é uma necessidade imperiosa; reclamam contra o gestor publico x porque ganha muito dinheiro, não questionado se ele dá a ganhar ao estado mais do que aquilo que ganha: acham que o estado tem que compensar pela seca, pela chuva, pelo vento e pelo bom tempo as suas quintas, mas acham mal que se subsidie uma empresa que vai abrir 500 postos de trabalho, ou uma familia sem um mínimo para subsistir.
o dinheiro dos impostos é uma espécie de marca de água para a xunguice dos portugueses, e os defensores do não sabem-no melhor que ninguém.
por isso colocam os enormes painéis a dizer que não querem que o dinheiro deles vá para subsidiar clínicas abortativas.

que eu saiba, as clínicas não recebem subsídios do estado, nem faz parte de nenhum plano nacional de saude que as mesmas passem a receber as listas de espera das candidatas a abortar.
os defensores do não sabem isso.
mas podiam lá perder o argumento do dinheirinho???

outro dos argumentos do não é que também não querem que as mulheres que abortam vão presas.
são contra a liberalização, mas não querem que se vá preso.
deve ser pelo habito de acreditarem em deuses e espíritos fátuos os que os leva a acreditarem em coisas opostas ao mesmo tempo.

vamos ser claros:
ou há crime, e há criminalização;
ou não há crime, e não há criminalização.
não há crimes, sem a correspondente pena, porque isso seria o correspondente a não haver crime.
e a figura do crime-não-crime ainda não foi inventada (já existe o tecido não-tecido, mas crime não-crime ainda falta criar).

quando questionados sobre como se pode não 'liberalizar', sem criminalizar, os defensores do não invariavelmente dizem que há 'outras formas'

que outras formas?

normalmente não têm coragem de as dizer (ou nem nunca lhes passou pela cabeça).
mas hoje, antónio pires de lima (um dos mais proeminentes defensores do não), questionado directa e explicitamente por joana amaral dias sobre que penas 'alternativas' seriam essas, afirmou que (e cito de memória) podiam ser uma multa, que a exemplo da infracções que todos cometemos, como as rodoviárias, não implicasse a prisão.

eu ouvi isto e ia batendo no carro da frente e o carro de trás ia batendo em mim...

não queria acreditar... mas finalmente um defensor do não no referendo e do não ás prisões (ninguém tem a lata de defender a prisão das mulheres que abortam) vem dizer o que era óbvio para toda a gente.

afinal, o que era o direito do feto à vida; o direito consagrado na constituição à inviolabilidade da vida; que não se trata de uma interrupção mas sim da morte daquele ser vivo; o que era uma questão que nem sequer tinha discussão..
afinal tudo isso pode ser resolvido mantendo a proibição e multando quem pratique o acto.
como também não defendem os julgamentos, imagino que sejam multas sem julgamento.

tudo se torna a final claro:
não querem que os impostos sirvam para subsidiar 'clínicas do aborto'~.
querem que o crime seja remissível a multa.
de preferência sem julgamento e sem custas judiciais para não aumentar o orçamento dos tribunais.

tal como com as bulas, afinal é mesmo uma questão do pagamento da cuja.
chamase-se ela bula ou multa.

tenham vergonha na cara !!!!

pela minha parte,



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15 comentários:

T disse...

Claro que sim. Por isso me recenseei apesar de Sócrates e tudo.

ni disse...

pois evidentemente que SIM!

Gasel disse...

Como já uma vez aqui disse, acho que não é assim tão "claro que sim!"

Acho que sabes bem que o que vamos dizer não é "se queremos ou não q a mulheres que praticam aborto sejam presas". Isso é reduzir a questão à sua máxima expressão, o que não é de todo razoável.
E se criticas defensores do não - com alguma razão - por advogarem que mater crime e propor "multa"... no fundo pode criticar lei que será aprovada sem o SIM ganhar: o aborto continua a ser crime mas não punível em determinadas condições. No fundo, tb é um crime sem castigo!

erre disse...

Sim... claro!

carlos disse...

mas a questão no referendo está mesmo reduzida à sua máxima (ou mínima) expressão:

nada mais se discute naquela pergunta.
não é sobre se eu ou tu concordamos que se faça:
é sobre se quem faz deve ser ou penalizado por isso.
é mesmo apenas isto que está em questão.

o resto é mesmo só pour épater les burgeois

cravoecanela disse...

Grande post!Da minha parte também É CLARO QUE SIM!

André disse...

Claro que sim.

O útero é de quem o tem.

Gasel disse...

bom André, neste caso é mais " embrião/feto é de quem o tem". O útero é um mero invólucro!

Mas continuo a não concordar integralmente contigo, carlos.
O que está em questão não é só "saber se quem o faz deve ser ou não penalizado por isso" Nem, é evidente, se concordamos ou não que se faça aborto. O resultado do referento serve para passar a aplicar (ou não) uma nova lei...

O que nós nos devemos perguntar a nós próprios é so o direito à vida (do feto) e o direito à escolha (da mulher) colidem ou não? E se colidem - como eu penso e é aceite por todos - qual deverá prevalecer?
E prevalecendo, por princípio, o direito à vida do feto - como tb é implicitamente aceite - em que situações é que nós, como sociedade, podemos "admitir" que a prática do aborto seja despenalizada?
Se concordamos que deve ser despenalizado nas situações previstas no projecto-lei do PS, devemos votar SIM. Se não concordamos - pr acharmos que são excessivas por expl - devemos votar NÂO.

E é evidente que a pena para quem não cumprir a lei - a actual ou a nova - "deve" ser a prevista (que, note-se, nunca foi aplicada)

Gasel disse...

Eu tb acho que argumentos económico-financeiros não são argumentos relevantes para responder a esta questão. Eu, pelo menos, não os coloco...

Embora, no plano teórico, se possa dizer que uma participação activa do SNS/rede pública na realização de aborto vai um pouco além do "conceito de despenalização" - não penalizar um actividade praticada po um indivíduo a nivel "privado" - e entra mais no "conceito de legalização".
Isto sem obviar que o estado possa subsidiar/comparticipar a realização do aborto nas habituais situações de carência

carlos disse...

gasel, a ti ninguém te pergunta se estás de acordo que aquelas mulheres pratiquem o aborto.
eu também preferiria que não o fizessem, mas elas nem sabem quem eu sou para mo perguntar.

elas vão fazê-lo quer tu, o arcebispo de braga ou o marcelo queiram, quer não.

ela já o fizeram.
elas vão fazê-lo
elas estarão a fazê-lo neste momento.

essa não é a questão.
nem a da educação.
que ou funcionou antes ou só pode vir a funcionar para a próxima.

a questão aqui não é do útero, da barriga, do feto, da mãe, do pai, de todos os que nos vierem à cabeça.

a questão é muito mais simples:

achas que quem o faz deve ir preso?
responde não.

achas que quem faz não deve ir preso(mesmo que aches que deva ter acompanhamento e educação para um saudável planeamento familiar)?
vota sim

não há mais nenhuma questão neste referendo.
há muitas outras questões do que respeita ao aborto:
teóricas, mais físicas e maios metafísicas.
mais filosóficas e mais gnósticas.
há milhões de questões a discutir sobre a interrupção (ou fim) duma gravidez.
mas aqui só se pergunta pela despenalização.
isto é, se deve haver pena ou não.
nada mais simples.

Gasel disse...

daqui não saímos... :)

Tu achas que o que nos perguntam se "queremos ou não que as mulheres que praticam aborto, até às 10 semanas, sejam presas"

Eu acho que nos perguntam se " queremos ou não que o aborto, quando realizado até às 10 semanas, seja despenalizado"

É a mesma pergunta? É apenas uma questão de semântica? Eu acho que não, que não é exactamente a mesma coisa.
Embora a resposta (SIM ou NÂO) possa ser a mesma às duas perguntas.

E isto porque (mais uma vez!) uma lei não serve só para dizer quando as pessoas vão ou não ser presas. Serve essencialmente para balizar os padrões de comportamento/actuação de uma sociedade. E é o q nós vamos fazer, responder à pergunta e aprovar ou não 1 lei.

carlos disse...

o que serve para balizar os padrões da sociedadeé a cultura, a moral, a tradição.
essas minudências...


a lei serve para defenir o que está dentro e fora da penalização. por isso as leis têm penas previstas associadas ao seu não cumprimento nos diversos códigos penais.

é a diferença entre um codigo penal e um livro de estilo.

eu 'aceito' (obviamente que não tenho aceitar ou deixar de aceitar, é assim uma força de expressão),porque me parece ser esse o caso, que tu digas que do ponto de vista da moral, da cultura, da tua formação não aceites o aborto e do ponto de vista penal não aceites a sua penalização.
é uma contradição não fácil de resolver, de facto.
mas a vida está cheia delas.

Anónimo disse...

Há 30 anos, tive de fazer um aborto.
Não tinha dinheiro, o meu salário era entregue no total aos meus pais.
Os meus pais não podiam saber,ter-me-iam posto fora de casa.
o meu namorado cumpria o serviço militar, tinha menos dinheiro que eu.
Se aquela gravidez tivesse vingado, eu sabia o destino que a criança teria.
Havia muitas no meu bairro, que nasceram nestas condições e eu via, eu sabia.
indicaram-me uma mulher, onde fui, sózinha. não pude dizer a ninguem. o meu namorado estava longe, na tropa.
era uma sala de jantar cheia com móveis velhos e cheia tambem de um cheiro enjoativo a hostipal, a doença.
A mulher recebeu o dinheiro que eu levava, levou-me para a cozinha, onde havia um marquesa e mandou-me deitar.
ao lado estava um balde de zinco.
Pôs-me uma máscara de oxigénio na cara e disse-me que a segurasse, e fez o trabalho dela.
Senti que me rasgava as entranhas a frio, ouvi tudo, senti tudo, tive alucinações, ou pesadelos ou as duas coisas misturadas.

Depois ajudou-me a levantar, vi o balde de zinco.
Sentou-me numa cadeira da sala uns minutos para recuperar e levou outra mulher, que já estava á espera. Eu sentia que ia desmaiar.
Mas a mulher voltou e disse-me que eu tinha de sair, porque a casa era vigiada pela polícia.
Saí cheia de medo, de dores e de sangue que me escorria pelas pernas.
cheia de vergonha tambem.
cheia de sentimentos de culpa tambem.
com uma dívida de 30 contos, a uma amiga, que levei um ano a pagar, com o dinheiro que a minha mãe me dava para o café e algum que o meu namorado conseguia arranjar.
Saí dali e fui trabalhar.
E á noite fui para casa jantar com a familia fingindo que tudo estava bem.
Tive uma infecção grave e foi uma amiga que me "arranjou" antibióticos.
A vida continuou "igual" , só eu não.

Houve, há, milhares de mulheres que passam ainda hoje por isto!
Será porque querem? Será pelo gosto do sofrimento, das humilhações, da revolta e da culpa que se atribuem a elas próprias por não terem podido manter aquela gravidez ?
E ainda há quem discuta por pura demagogia, se o aborto deve ou não ser despenalizado ?
Não chega a pena que as mulheres sofrem, por terem de o fazer ?
Que é feito do conceito de justiça, qué feito da consciencia, que é feito dos seres humanos que devíamos ser ???

Anónimo disse...

Tenho uma amiga com 23 anos. Engravidou, teve um "azar" e não pode tomar contraceptivos.
O namorado, casado, não gosta de preservativos e ela gosta do namorado.
Enganou-se nas datas.
Por razões que penso poderem ser lidas na entrelinhas , ou não, mas isso não me interessa, eu não faço julgamentos, ela optou por abortar.

O namorado pagou-lhe o aborto e ela foi assistida numa clínica privada com todas as condições e tudo correu bem.
Ela é educadora de infãncia. No dia que recorreu á clínica, foi ao médico e meteu um atestado, por uma outra doença qualquer, como é óbvio.
Está fechada em casa, chora dia e noite, não quer ver ninguem, e eu só consigo falar com ela de vez em quando, por telefone.
já lá vão dez dias.
Isto não é suficiente como pena ? E mesmo esta pena: é justa ???


AliceSM
O "anonimo anterior a este comentário, sou eu, a AliceSM.

carlos disse...

é mesmo essa a questão alice.

e o referendo só vai mesmo dizer que quem decidiu abortar o vai poder fazer em segurança.

ninguém o faz porque gosta ou como método contraceptivo.
faz porque tem que fazer.
sejam as razões que levam ao 'tem' as que forem