15 de dezembro de 2006

Da problemática do aborto (V) - Das leis e do referendo

Depois no que já disse em todos estes posts anteriores, pouco mais me resta para dizer. E o que vou escrever já não é tanto sobre naquilo que considero os factos, mas sobre aquilo que acredito ou penso.
Acredito que existe vida desde a fecundação/concepção e que a vida é um bem absoluto, que deve sempre merecer a melhor protecção. Assim, penso que o direito da mulher a abortar não se sobrepõe ao direito do feto à vida, ou seja, não reconheço a liberdade da mulher, em termos individuais, em realizar um aborto como uma mera opção de consciência.
No entanto reconheço que uma sociedade/estado tem direito/dever de optar entre a protecção de dois bens comuns: a protecção da vida dos seus fetos ou a protecção do bem-estar dos seu membros e admito que – em situações extremas – se possa não conferir protecção total à vida. A vida intra-uterina é, em minha opinião, uma destas situações. Assim, penso que é legítimo a um estado/sociedade definir as situações em que o aborto é legalizado, descriminalizado ou despenalizado (o que no fundo, é tudo o mesmo, Carlos)
Agora, as situações em que o aborto é permitido devem ser claras e bem definidas, e não devem assentar em factores arbitrários. É neste aspecto que penso que a actual lei é “boa” e, mais uma vez a lembro a condições de despenalização do aborto:

- o aborto não é punível quando (causas de exclusão da ilicitude – artº 142º) for efectuado por médico, ou sob a sua orientação, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, com o consentimento da mulher grávida quando:
a) constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida ou casos de fetos inviáveis (sem limite de tempo);
b) se mostrar indicado para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física e psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras doze semanas de gravidez;
c) houver motivos seguros para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita (aborto eugénico), e for realizado nas primeiras 24 semanas;
d) a gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual (por exemplo, violação) e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas.

Poderão dizer que é insuficiente. Talvez… Talvez se possam incluir as causas sócio-económicas como motivo de despenalização. Poderão dizer que a interpretação que cá se faz desta lei é restrita, ao contrário de Espanha – que tem uma lei basicamente igual – onde se faz uma interpretação lata. É verdade… mas esse é um problema da sociedade e não da lei, os comportamentos podem ser mudados.
No fundo, e a grande diferença em relação à possível nova lei, é que assim diz que a mulher pode abortar porque precisa e não apenas porque quer. Questão semântica, dirão? Acho que não, acho que é uma questão fundamental.

Porque, ao contrário do que o Carlos diz, nós, no referendo não vamos só dizer se queremos ou não que as mulheres que abortam sejam presas. Na verdade, acho que nunca uma mulher que abortou tenha sido presa… Na verdade, o que podemos não querer é que sejam julgadas. Depois, o que resulta da vitória do SIM no referendo, é que a proposta da nova lei será aprovada. E esta passa a dizer:

1 - Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico ou sob a sua direcção, em estabelecimento oficial ou oficialmente reconhecido com o consentimento da mulher grávida, nas seguintes situações:
a) a pedido da mulher e após uma consulta num Centro de Acolhimento Familiar, nas primeiras dez semanas de gravidez, para preservação da sua integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente;
b) (actual alínea a);
c) caso se mostre indicada para evitar perigo de morte ou grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica, da mulher grávida, designadamente por razões de natureza económica ou social, e for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez;
d) (actual alínea c);
e) (actual alínea d).

E a minha crítica a esta lei reside no facto de admitir o aborto em função do querer, e não do precisar, e de introduzir a factor arbitrário das 10 semanas: porque é que abortar ás 9 semanas é admissível e abortar às 11 semanas já é crime?
Além disso, as críticas da falta de aplicação pratica também irão ocorrer com esta lei: grande parte das mulheres que queiram abortar – talvez metade – nunca conseguirão cumprir os prazos indicados. Continuarão a ser realizados muitos abortos clandestinos – fora de prazo ou em locais não licenciados – e a nova lei não resolverá, muito provavelmente, um dos principais problemas a que se propõe.

Acho que chega… por hoje. Vou guardar um último post para as reflexões finais. Talvez assim chegue, finalmente, à conclusão de qual vai ser o meu voto!

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