25 de março de 2009

Nga Mutúri : fragmentos de Luanda do século XIX

Image and video hosting by TinyPic

Alfredo Troni (Coimbra 1845- Luanda 1904)

O nome de Alfredo Troni surge associado à noveleta Nga Mutúri, imagem da sociedade angolana do século XIX. O retrato ficcionado é tornado público, pela primeira vez na “metrópole” no Diário da Manhã e, mais tarde, no
Jornal das Colónias em Luanda.
Trata-se de um olhar humorístico atravessado por uma subtileza crítica, dando conta de alguns aspectos culturais ainda hoje visíveis em alguns redutos da sociedade aqui representada, concretamente no que diz respeito à importância da figura do tio por via materna – indesmentivelmente ligado por laços de sangue às sobrinhas – bem como às repercussões em que tal ascendência se traduz no desenrolar dos acontecimentos.
- Nga Mutúri (senhora viúva), de seu nome inicial Ndreza (Andreza) é apartada da mãe, ainda muito jovem, por seu tio que tem uma dívida urgente a saldar;
Pelas conversas que ouviu no caminho, soube que o tio tinha sido condenado no juramento, e para pagar o crime a fora buscar à mama, pela lei da terra que obriga os sobrinhos a pagar os quituxi dos tios.
- Segue de navio para Luanda, onde é vendida a um senhor;
Que este homem falou muito com o tio, e lhe deu muitos panos e um espelho: e que o tio a deixara ali, e voltara para a terra.
- O senhor adoece como consequência de uma vida desregrada na qual predominam o jogo e bebida;
Quando o patrão vinha de madrugada, e mimoseava o moleque que ficara deitado à porta para lha abrir, com uma antiga moeda de prata de seis macutas (ainda então havia deste dinheiro, hoje está todo no Banco) se ganhava, ou com uma saraivada de pontapés se perdia, encontrava-a a dormir na sua esteira; e ele muito grosso, como diziam os caixeiros quando o viam assim, acordava-a com umas falas arrastadas para o ajudar a deitar-se, conchegando-lhe o inchado fígado com uma travesseira, e dando-lhe uma fomentação no baço mais inchado ainda, rogando ele muitas pragas com as dores.
- quando o patrão morre é descrito em pormenor o ritual do óbito (Comba),
caracterizado por vários dias de banquete e ainda hoje celebrado, por legado cultural, mesmo em meios urbanos;
As cartas de convite indicavam as cinco horas da tarde. A essa hora já muitos convidados estavam à espera, uns passeando na varanda, por ser mais arejada (…)
- no final da narrativa, Nga Mutúri leva uma existência próspera, sendo admirada pela pequena sociedade que a rodeia. De salientar o humor peculiar do autor nas linhas com que termina a noveleta:
E como a experiência da vida vai bem, e compara a sua existência na libata com a que leva agora, diz de si para si que a terra do Muene Putu é muito melhor que o mato.
Para concluir, manda a verdade que se diga que às vezes, quando come cola e gengibre, entra muito pela genebra.
Fica animada, com os olhos brilhantes, fala muito, e tem frequentes arrotos ruidosos.
Então volta-se para a gente e diz:
- Isto são falatos.

Não poderia deixar de referir a minha gratidão ao professor-escritor Manuel Ferreira, português de nascimento e cabo-verdiano de coração, por me ter dado a conhecer este novo mundo das Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa.

Sem comentários:

Enviar um comentário