4 de maio de 2005

Manuel Bandeira

Disse-me a T uma vez que o Bandeira é pouco conhecido em Portugal. Injustiça, que espero aqui remediar aos pouquinhos. Aqui vão dois, extraídos de "Libertinagem" (1930).

O Cacto

Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária:
Lacoonte constrangido pelas serpentes,
Ugolino e os filhos esfaimados.
Evocava também o seco Nordeste, carnaubais, caatingas...
Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.

Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.
O cacto tombou atravessado na rua,
quebrou os beirais do casario fronteiro,
impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,
arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas privou a cidade de iluninação e energia:

- Era belo, áspero, intratável.

Palinódia

Quem te chamara prima
Arruinaria em mim o conceito
De teogonias velhíssimas
Todas viscerais

Naquele inverno
Tomaste banhos de mar
Visitaste as igrejas
(Como se temesses morrer sem conhecê-las todas)
Tiraste retratos enormes
Telefonavas telefonavas...

Hoje em verdade te digo
Que não és prima só
Senão prima de prima
Prima-dona de prima
- Primeva.

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