18 de janeiro de 2004

O beijo do Hôtel de Ville

O texto que se segue escrevi-o em Abril de 2000. Não é grande coisa e, lido a esta distância, soa-me a um razoável desfiar de clichés mas, enfim, somos o que somos. Dado o post anterior, está mesmo a pedir ser desenterrado.

Gasel, Sevilha com chuva parece-me triste. Terás de voltar lá este ano. Que maçada.

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Em frente a uma esplanada de café um casal beija-se: ela, claramente apanhada de surpresa, ele, arrebatado. Le baiser de l’Hôtel de Ville é provavelmente a mais célebre imagem de Robert Doisneau (1912-1994), fotógrafo francês que retratou o quotidiano parisiense como poucos. Um simples instantâneo? Talvez, até agora. A arte da publicidade, especialista em canibalizar e reconstruir ilusões, contou-nos a história por trás deste beijo. Uma das histórias possíveis, naturalmente, que cada beijo poderia ter infinitas histórias atrás de si. Trata-se de um encontro em que uma jovem espera o seu apaixonado que, atrasado por inúmeros obstáculos, a ela chega no momento em que a espera ganha foros de desespero. O beijo acontece, salvando a situação, sob a objectiva atenta do fotógrafo, cujo rosto não é visto – apenas a sua máquina fotográfica é mostrada.

Esta história é-nos contada na televisão, num curto filme, ao som de uma valsa parisiense tocada de modo singelo apenas ao piano (poderia ter sido um acordeão, mas os tempos são outros...). O veículo salvador, um automóvel do último modelo, é o único elemento de cor num filme a preto e branco que em tudo reproduz a atmosfera cinematográfica dos anos 50 (a fotografia é precisamente de 1950). A cor, ainda que moderna, tem uma patine que enquadra o anacrónico automóvel no cenário. Tudo parece possível neste filme. Até acreditarmos que esta história aconteceu mesmo, com carro e tudo.

Nas publicações de papel a fotografia foi sujeita à cuidadosa introdução do novo automóvel no lugar em que, no original, está um seu antepassado. Mais uma vez, a cor dá a diferença, mas a ilusão, essa, mantém-se.

Mais importante neste anúncio, assim, é o apelo a que acreditemos que anacronismos como este são possíveis. Não é o automóvel que é importante: é a história de amor em fundo. O beijo culmina uma linguagem universal e intemporal dos afectos. A história deste filme comprime em segundos os encontros e desencontros que fazem as relações humanas. Os acessórios, como o automóvel, são importantes, será uma das mensagens subliminares da publicidade em geral. Mas não deixarão nunca de ser acessórios perante gestos tão centralmente fundamentais como um beijo. Robert Doisneau, certamente, sentia isso quando, adivinhamos que instintivamente, disparou a sua máquina numa tarde chuvosa em Paris e nos legou um beijo que passou a ser também nosso.

Para uma viagem guiada pelos beijos, recomenda-se vivamente uma visita aqui.

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