24 de julho de 2014

Short Cuts - Ariano Armorial Suassuna


Ariano era cheio de graça. Uma graça que permeia histórias simples da nossa vida cotidiana. Traduzidas na visão simples, brilhante e divertida do mestre contador de histórias.
Aliás, o maior contador de histórias que já andou pelos sertões desse imenso Brasil.




Sobre computadores


“Dizem que eu não gosto de computadores. Eu digo que eles é que não gostam de mim. Querem ver? Fui escrever meu nome completo: Ariano Vilar Suassuna. O computador tem uma espécie de sistema que rejeita as palavras quando acha que elas estão erradas e sugere o que, no entender dele, computador, seria o certo.

Pois bem, quando escrevi Ariano, ele aceitou normalmente. Quando eu escrevi Vilar, ele rejeitou e sugeriu que fosse substituída por Vilão. E quando eu escrevi Suassuna, não sei se pela quantidade de “s”, o computador rejeitou e substituiu por “Assassino”. Então, vejam, não sou eu que não gosto de computadores, eles é que não gostam de mim.”

Sobre o inglês e o português


“Eu não gosto da língua inglesa. A língua portuguesa é que é linda. Rica. O inglês, além de tudo, é pobre. (Apontando um copo de vidro). Perguntem a qualquer analfabeto o que é isto aqui. E ele responderá: “É um copo”.  Em inglês, isso aqui é “glass”, vejam se isso tem jeito de ser? E além de tudo, a língua é pobre. Em português isso aqui é um copo de vidro, não é? Pois então, em inglês, seria um “glass” de “glass”. Ô pobreza!

Rindo de si mesmo


Ariano fazia uma palestra no Sul. Depois, autografava seus livros. E a cada um que chegava para lhe pedir autógrafos perguntava o nome e ouvia um amontoado de consoantes que não entendia direito. Com paciência, pedia para que a pessoa soletrasse o nome enquanto, cuidadosamente, fazia a dedicatória. Depois da terceira vez que pediu a alguém para soletrar o nome, ouviu um pai orientando o filho para já chegar soletrando o nome “porque o homem é analfabeto!”. Na hora do autógrafo, o filho já chegou dizendo: “Meu nome é Hugo, H – U – G – O”. Ariano quase morreu de rir.

Descendo do avião

Da última vez em que esteve em Brasília, antes de
embarcar, Ariano resolveu descansar no aeroporto.
À sua maneira, deitado no chão. 
Ariano não gostava de viagens de avião. Um dia, desembarcando para uma palestra, a mocinha que o esperava, delicadamente, perguntou: Fez boa viagem, mestre? Ao que ele respondeu: Como assim “boa viagem”, minha filha? As viagens de avião só existem de dois tipos: As tediosas e as fatais. O avião é o único meio de transporte que a gente entra e reza para que a viagem seja tediosa.

Aula espetáculo e Chico Ciência


Ariano e Chico Ciência
Pra mim, o Chico Science deveria se chamar Chico Ciência


Um dia, chegando para fazer uma palestra, leio uma faixa estendida em frente à escola:
"Aula Show de Ariano Suassuna". Mandei tirar a faixa. Senão, não fazia a palestra. Eu não dou "Aula Show". Dou "Aula Espetáculo". Aliás, na minha terra,  é uma interjeição usada pra espantar galinha.

Sobre a morte


Ariano e Zélia, seu grande amor. 
“Na minha terra, no sertão da Paraíba, a morte tem nome. Chama-se Caetana. E tem a imagem de uma mulher bonita. Aliás, essa é a única forma que eu aceito encarar essa danada. Como uma mulher bonita”.

PS.: Ariano Suassuna é autor de clássicos da literatura e do teatro brasileiro (Auto da Compadecida e Romance d'A Pedra do Reino entre eles). Ariano morreu ontem, aos 87 anos, no Hospital Real Português, em Recife, onde estava internado desde segunda-feira, depois de sofrer um AVC. 

E eu ando achando essa vida meio sem graça, por ter que falar tanto dos meus heróis mortos. 

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