5 de novembro de 2013

Um oceano e cinco séculos

A ponte e o Tejo



Acordo, olho no espelho, o dia claro lá fora.
A janela me mostra o Tejo. Vejo além.

A ponte 25 de abril passa ao lado do hotel onde estou. É como se entrasse por minha janela. Leva meus olhos para a Almada, por sobre o gargalo do Rio Tejo. Vejo além.

Alfama, bairro alto, em Lisboa...
...e São Luis, no Maranhão. Muito em comum. 

Penso nas ladeiras da Alfama, o bairro alto em Lisboa. Aquele lugar me lembra São Luis do Maranhão, em tudo. Mas há um oceano e cinco séculos entre São Luis e o Bairro da Alfama. Quando criança, descia a ladeira da Madre D’eus em direção à areinha. Rua dois, Rua três... Tia Dica tinha uma quitanda na entrada da Rua quatro.

Bonde da Alfama.
Bonde em São Luis. 
O bonde que sobe as ladeiras da Alfama é o mesmo que descia a Madre D’eus. O homem que vê o Tejo pela janela é o menino que descia a ladeira da Madre D’eus. Somos os mesmos, guardado o hiato temporal da vida vivida entre um oceano, cinco séculos e dois bairros distantes.


Olho no espelho e desejo café.
Desço até o restaurante do hotel. Mesa posta. O pão quentinho. Ovos mexidos. O cheiro do café tomando conta do espaço. Vejo além.
Poesia no café da manhã
O desejo do café é quase poesia. Meus olhos batem no saquinho de açúcar. Café alimenta a alma. Açúcar tempera a vida. A poesia sustenta os dois. E a poesia impressa em papel de açúcar é o que me surpreende e alegra o dia.

Um oceano e cinco séculos separam e unem o que eu sou de verdade. O Rio Tejo, a ponte, o bairro da Alfama, o café, o espelho, a janela e a poesia impressa no papel de açúcar veem além.

Foto: Andres Alem
O tempo me pega pelas mãos e me conduz inteiro pelas ruas da memória. Há muito de minha alma espalhado nestas manhãs de inverno e sol.  

Texto escrito originalmente para a coluna "Olhar Poético", que assino semanalmente, no Blog Hoje Vou Assim, da Cris Guerra

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