12 de novembro de 2013

Uma palmeira e dois destinos




No centro do Eixo Monumental, em Brasília, em frente ao Palácio que leva o mesmo nome, há uma Palmeira de Buriti. A árvore é o símbolo da cidade. E aquele exemplar solitário, plantado ali em frente ao imponente Palácio, foi transplantado de um caminho que liga Brasília a Anápolis, no Estado de Goiás. A árvore tem mais idade que a cidade e o palácio.

Dias atrás, estive bem perto de um senhorzinho, já beirando os 80, que é tão ou mais importante que o Buriti. Ozanan Coelho é o nome dele. Trata-se de um cearense de boa cepa, que veio aventurar-se em Brasília e terminou, apaixonado por ela, nunca mais saindo daqui.

Ozanan tem muitas virtudes. A mais especial delas está diretamente ligada à quantidade de árvores e jardins que a cidade ostenta. Ele é o responsável direto pelo plantio de 3,8 milhões de árvores em Brasília. O número não está errado, não. São 3,8 milhões de árvores plantadas, sim.

As super-quadras e suas árvores...
... onde houver uma árvore, em Brasília...

...tenha a certeza, Ozanan passou por ali. 
Claro que ele não fez isso tudo sozinho. Durante os últimos 40 anos Ozanan esteve no Departamento de Parques e Jardins da NOVACAP, 30 dos quais, como chefe do setor. Mas não é errado dizer que Ozanan é o melhor exemplo da natureza viva, em todo seu esplendor.

Pois bem, foi de viva voz que ouvi Ozanan contar a história de como salvou aquela palmeira de buriti. Dizia ele que, um belo dia, foi chamado às pressas para conter a ira de um maluco que, com um facão tentava derrubar o buritizeiro. Ozanan chegou a tempo de impedir, com a ajuda da polícia, uma catástrofe. Mas não impediu que a árvore fosse ferida, quase que mortalmente.

O buriti e o Palácio
O homem preso e a árvore pendente, prestes a ir ao chão em definitivo. Ozanan chamou os seus. Segurou a árvore e passou a pensar na melhor forma de salvá-la. Ergueu uma cerca de varas, rente ao tronco machucado da árvore. Amarrou-as firmemente e torceu para que o tempo lhe permitisse a regeneração.


Não houve tempo. A cada chuvarada, lá se ia o arranjo sustentador e com ele, a esperança de que a árvore voltasse a viver em paz. Ozanan não desistia de salvar o buritizeiro, mesmo muitas tentativas infrutíferas depois. Cada novo conserto era plateia garantida. O povo, como nos jogos de futebol, adorava dar opiniões.

Até que, um dia, um senhor bem humilde apresentou-se e perguntou se podia ajudar. Ozanan quis saber quem era ele. Disse que era dono do circo que estava instalado ali perto. E que acompanhava com atenção, nos últimos dias, a batalha vã na tentativa de recuperar a árvore.


Ozanan prestou atenção em tudo o que ele falava e aprendeu que usando as mesmas  as técnicas de erguer as lonas do circo era possível aumentar as chances de sobrevivência da árvore.

Dito e feito. As técnicas de amarras usadas no circo  conseguiram o milagre de fixar a palmeira de buriti, mesmo em dias de vento mais forte.

Feliz por ter vencido a principal batalha, Ozanan lembrou do infeliz que fez aquilo e quis saber o que lhe passava pela cabeça. Resolveu visita-lo na prisão. Lá, frente a frente com o algoz da árvore, questionou: Por que tanta raiva com uma árvore? O camarada respondeu com olhar vidrado, típico de quem não tem a cabeça regida pelas leis deste mundo: Olhe, doutor, quantas vezes me soltarem, tantas eu vou voltar lá, até completar o serviço.

Ozanan escutou atento e tentava em vão fazê-lo desistir da ideia.  Até que, lá pelas tantas, o serial killer de coqueiros  sentenciou: Doutor, eu só não vou cortar aquela árvore o dia que for correto escrever “Congresso” com cê cedilhado.   

Ozanan a me dedicar o seu livro.
E eu, me pondo encantado, diante da natureza em forma de gente. 
Ozanan viu que o caso era perdido. E torceu para que a polícia não liberasse o sujeito tão cedo. Enquanto contava a história, acontecida nos idos dos anos 70, Ozanan sorria um sorriso de homenino. Desses, capazes de reunir inocência e maturidade no meio de um rosto marcado pela vida. E eu, ali, me pondo encantado, diante da natureza em forma de gente. Quem enxerga os seus olhos azuis não imagina a imensa floresta urbana que há por trás deles.  

Texto escrito originalmente para a coluna "Olhar Poético", que assino semanalmente, no Blog Hoje Vou Assim, da Cris Guerra

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