Chove em Brasília como Deus gosta.
Chove mais. Chove muito. A ponto de fazer sapo desconhecer rã.
A chuva tem o dom de deixar o dia mais complicado, o trânsito mais pesado, a atenção precisa ser redobrada nas ruas.
Em dias de chuva, você nunca sabe se há ou não um buraco por baixo da lâmina d’água que cobre o asfalto. Dirigir passa a ser uma surpresa. Às vezes, desagradável.
Mas os dia de chuva sugerem recolhimento da alma. Os vidros fechados e os pingos caindo lá fora tornam a solidão do carro um exercício de reflexão. Luzes e faróis fracionados pelo efeito da água. Formas alteradas da visão, tudo ganha outro sentido.
Aperto os botões eletrônicos no dial. O mundo digital facilitou a busca de sintonia. Não se ouvem mais os chiados produzidos pelo ponteiro correndo no visor do rádio. Troco a notícia pela música. Busco algo que tenha a ver com o momento e permito que o pensamento entre pela fresta úmida do dia cinza-chumbo.
Viver é uma necessidade. Como encarar a vida, um privilégio. Enquanto dirijo, reflito. Em meu imaginário, cruzo as ruas de sol por onde já andei. Aqui em Brasília, em São Luis, em Tóquio, no Quartier Latin ou em Lisboa. Troco a sintonia mental com a facilidade de um visor eletrônico do rádio.
Minha vida em uns poucos pingos d’água. A água lavando a alma.
Por vezes, Cris, a chuva faz das terças um rio de memória.
E o acaso pontua a realidade, impondo o contraste de um arco-íris ao sinal vermelho do trânsito, lembrando que a vida é real. Apesar da chuva.
Texto escrito originalmente para a coluna "Olhar Poético", que assino semanalmente, no Blog da Cris Guerra.
Belo texto!
ResponderEliminarObrigado, Graça!
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