9 de agosto de 2012
Uma língua única?
(Imagem:blogue Clube de Leitores)
Gera inquietações diversas o artigo de opinião intitulado «Crise europeia das línguas», apresentado ontem no jornal Público. Assenta a construção da peça em situações incómodas, há mais ou menos tempo constatadas, consoante a autonomia financeira dos estados:
- «um país cresce com a cultura, não com a economia»;
- «mesmo em países sem passado imperial, mas com uma longa tradição migratória, como a Irlanda, a fuga de cérebros para a Austrália e para a América do Norte está a acelerar.».
As expressões transcritas decorrem do êxodo de “massa cinzenta”, fuga potenciadora de declínio do velho continente. A inquietação maior, após leitura do artigo, prende-se com a sugestão apresentada por Edoardo Campanella para fazer face à situação: a criação de uma língua comum, à semelhança da moeda comum que partilhamos. Intérprete suspeita por tanto valorizar as palavras, os idiomas, os regionalismos surge, a título pessoal, o conceito de língua a anos-luz do de moeda , suspeitando-se da panaceia . Partindo do raciocínio de que o problema europeu reside na fragmentação linguística – 13 línguas oficiais e muitos mais “dialectos” – termo de autor - regionais (a designação traz mal-estar a linguistas, para quem “dialecto” tem carga pejorativa), propõe-se a normalização linguística que aparece como ovo de Colombo ignorado por um coletivo europeu. Recordo um curso de verão frequentado, há dois anos, em Lisboa. No grupo encontrava-se uma estudante vinda de Barcelona, que fez questão em se apresentar à turma na sua língua natal. A docente responsável ficou atrapalhada, pedindo-lhe que traduzisse a comunicação em castelhano, em ritmo moderado. Sorri ao entender que a catalã tinha plena noção, desde o primeiro momento, de não a estarmos a entender na quase totalidade. As frases na bonita sonoridade de que se revestiam , eram demonstração de um orgulho saudável no seu código materno. Apreciemos, pois, a realidade linguística com que nascemos. Encantemo-nos com o legado literário , cultural e com tudo aquilo que as culturas da lusofonia ainda têm para nos oferecer. Quando, no currículo nacional dos diversos níveis de ensino, se começa a dedicar menos tempo ao ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, permanecem sérias reservas (o tal ácido corrosivo da economia versus cultura) . O chavão «o rei vai nu» aponta-nos que o caminho – ao invés da tal língua comum ontem sugerida no artigo– deveria ser o da aprendizagem da diversidade de línguas, acesso inequívoco a uma visão do mundo cada vez mais ampla : não perder identidade, conseguindo compreender a alteridade, parece ser algo de útil sensatez , redundâncias à parte . Se fosse eficaz uma língua comum, o esperanto teria vingado e evoluído– pergunte-se em inquérito de rua em que consiste este código de comunicação e retirem-se conclusões.
Não é preciso ir ao esperanto. Basta ver o domínio dos romanos. Isto serve para provar que há já muito tempo se testou: a Europa não consegue ser una e justa ao mesmo tempo. Nem na economia, nem na política e muito menos na língua.
ResponderEliminarEU não li o artigo, mas acho que o senhor devia estar alterado quando propôs tal disparate!
E ainda podemos ir buscar uma escala mais pequena e contemprânea. Os suíços não pertencem à União Europeia, mas já os estou a ver a deixar os seus dialectos de lado... Sim... um país com quatro língas oficiais e quase um dialecto por cidade... Penso que o italiano e o francês são as línguas menos adulteradas, mas cá não se diz "quatre-vingt", é mesmo "nonante". E apesar destas confusões todas, como eu costumo chamar, eles não parecem perder "massa cinzenta" para outros continentes!!!
Concordo plenamente com a Teresa. O que esta Europa (e este Mundo) precisa mesmo é de ver e compreender as diferenças e nada de criar massas. A História está farta de nos mostrar que isso, seja com que "aspecto" for, acaba sempre por colapsar...
Olá Luísa,
ResponderEliminarSe formos pragmáticos, essa língua única já existe e há muito, basta pensarmos em que idioma todos temos vindo a comunicar por diversos motivos, concretamente desde os anos 70 (antes disso e por cá, imperava outra língua estrangeira no currículo de estudos)... Não colhe o argumento de muitos não a dominarem ou ainda um outro que leva cada cidadão a eleger a sua língua materna como "a melhor" e a "mais injustamente ignorada". Se assim fosse, seria uma língua criada por decreto a ter o condão de mudar as coisas?
Enfim... apesar da muita desorientação vivida, há sempre ideias peregrinas (digo eu, com a mania de dizer coisas).
Aprecio os países em que mantém, por esse mundo fora, os institutos que difundem o ensino das respetivas línguas (um British Council em todos os continente, um Goethe, etc...).
A simplificação nunca ajudou a desenvolver o pensamento, para lá do que se perderia, quanto à essência de tantas culturas, de tantas visões do mundo que nos enriquecem.
Há quem contraponha, referindo o exemplo alemão - uma necessidade extrema na contratação de especialistas (legítimos) na área da engenharia por existir carência dentro do país, tarefa impossível por não dominarem o idioma. Fica-se a pensar até que ponto o argumento será legítimo, ou se alguma ideia de superioridade (ditada pela supremacia económica) levará a brandir tal argumento.
Mas isto são notas soltas de alguém que não percebe nada de finanças (embora tenha uma pequenina biblioteca):)
Sim, é verdade, Teresa. Mas até o inglês tem as suas variantes e até eu fui afectada por isso... Um colega da África do Sul disse que eu falo como os americanos, há uns anos alguém tinha-me dito que falava como ingleses... Claro que essas variações não são tão grandes como, p. ex., os dialectos do alemão, mas são a prova de que não há língua unificada...
ResponderEliminarAi o alemão... as economias... as mentalidades... tudo tem influência no uso dessa língua!
Eu conheço alguns alemães. Todos eles estudaram línguas estrangeiras na escola. Só dois sabem algo mais do que a sua língua materna (alguns não reconhecem frases simples e banais como "Houston we have a problem"). Um até foi engraçado: "estudei 5 anos de francês. não sei nada. o alemão e algum inglês que sei chegam-me perfeitamente".
Visto da perspectiva inversa, pelo menos em Portugal, nunca entendi a aversão que tanta gente tem ao alemão. É difícil de aprender, sim!!!, mas muita gente ainda não tentou aprender e já fala mal... Depois queixam-se que não entendem os termos "ténicos"... (eu fiquei estupefacta quando soube que quem arranhar um pouco de alemão pode ganhar cerca de 300 euros a mais do que outros funcionários em certos "call-center").
Quanto à simplificação não ser sinónimo de entendimento... é óbvio. Só um cego não vê... e o senhor do artigo. Se houver boa intenção (como deve haver nesta e noutras áreas da Vida) até se fala arménio como eu "falei" uma vez... :D