24 de junho de 2012

A Ermida de Santo Amaro por Norberto Araújo



Num passeio por Lisboa, a caminho da Feira de Algés, o Miguel resolve investigar aquela igreja em Santo Amaro que se vê da ponte. É esta e é linda. Espreitamos avidamente pelas grades, quando aparecem paroquianos para preparar o andor de Santo Amaro. Porque hoje às 17 horas é dia de procissão. Afáveis e acolhedores contam a história deste templo e mostram o seu interior. Em conjunto lamentamos o estado de conservação e a falta de conhecimento dos lisboetas sobre esta ermida. A escadaria que dá acesso ao templo,revela uma maravilhosa vista sobre Lisboa e o Tejo. É sem dúvida um local dos dilectos e é pena qiue esteja tão esquecida e escondida. Precisa de recuperação, aconchego e revitalização. E a propósito de dilectos, transcrevo o que o mestre Norberto Araújo escreveu sobre ela nas Peregrinações.

" Pois, Dilecto, subamos as Escadinhas a caminho da velha e curiossima Igreja de Santo Amaro. Esta Ermida apatinada pelo tempo e pela desfortuna, constitue, até pela feição exterior, uma das autênticas curiosidades sacras e artísticas de Lisboa. Sempre os pequeninos templos foram, mais de que os ostentosos, de romarias e de afeição devota popular. Este adro, esta ladeira, êste eirado que vês, as escadinhas com seu pitoresco natural, eram lugar concorrido e festeiro em dia de Santo Amaro, prolongando-se a romaria de 15 de Janeiro a 2 de Fevereiro ; o templo regorgitava de fiéis e as cercanias enchiam-se de foliões. Era a romaria «dos pinhões» — grandes molhadas deles em enfiadas fazendo colares —, a festa dos «galegos», muito devotos e Santo Amaro, com suas gaitas de foles, pandeiros, zabumbas, com Ima alegria que extravasava de Alcântara ao cabo da Junqueira. A última festa desta natureza aliás uma pálida sombra do que fora há um século — realizou-se em 1930. Santo Amaro, bispo e abade, «advogado dos braços e pernas partidas», vai um pouco esquecido ; o seu culto, que principiou por ser dos naturais da Galiza, tornara-se alfacinha, mas os lisboetas já o perderam de vista. A Ermida de Santo Arnaro foi edificada em Fevereiro de 1549, era entao este sitio, num alto bem marcado, completamente isolado de Lisboa, campo verdejante enfrentando o Tejo pelo Sul e uma parte da Serra de Monsanto pelo Norte, antigas terras do Casal Rolão. Antes, porém, desde 1542, já aqui existia, no local exacto onde hoje assenta a sacristia, uma ermidinha fundada por alguns frades da Ordem de Cristo, que tinham ido em romaria a Roma, e se constituiram em irman-dade. A Ermida lisboeta de Santo Amaro estava agregada a Basilica de S. Joao Latrão, de Roma, a qual pagava foro. As estampas antigas não a dão exactamente como ela é hoje, pois o tempo faz mossa, e, embora o Terramoto nao a arruinasse, de vários restauros beneficiou no decorrer dos séculos. A irmandade dos freires de Cristo converteu-se mais tarde, ainda no século xvi, em Real Confraria do Bern-aventurado Santo Amaro de Alcântara, que reunia apenas pessoas nobres, e da qual tambem os monarcas foram provedores. A tradição que diz a Ermida de Santo Amaro fundada por uns galegos tripulantes de um barco que deu a costa, nao parece ter fundamento sério; aos simpáticos cidadãos da Galiza, habitantes de Lisboa, e que lhes deu para se tornarem devotos do Santo que sanava penas e dores. A lenda, contudo, esta iconograficamente fixada nos azulejos. A Confraria acabou em 1836, integrando-se o templo na jurisdição da Junta de Paróquia; em 1910 foi encerrada ao culto, mas reaberta em Janeiro de 1928, por haver sido entregue a Irmandade do Santissimo Sacramento da freguesia de Alcântara. Pois vamos dar uma curta volta pelo interessantissimo templo. Santo Amaro é considerada monumento nacional; a sua originalidade e história, os seus pormenores de arte, e sobretudo os magnificos azulejos, que já tens a vista no atrio semi-circular, justificam amplamente a classificação. A Ermida tem, em planta, a forma de tuna ferradura; o traçado — como observas— poligonal, corn sete lados rectilíneos, quatro fechados e três abertos. Exteriormente oferece a forma circular, e é coberta corn uma cupula esferica, coroada por lanternim. He que admirar estes azulejos policromos do átrio ou galeria em meio circulo, e que sâo do melhor que neste genero de cerâmica Portugal possue (principio do seculo xvi), colocados em merito artístico  a par dos da Bacalhoa, em Azeitao: azues, roxos, amarelos, verdes, ao estilo da Renascença eles, desenvolvem o seu sentido decorativo em grinaldas, fitas, anjos, festões, envolvendo a cartela central, com emblemas dos santos. Os altares da galeria apresentam, em azulejo, Santo Amaro bispo e Santo Amaro peregrino. A abóbada dêste átrio-galeria é abatida, artezoada, com arestas, ajustada ao conjunto ingénuo mas forte; as três portas para o adro são de ferro forjado, do século xvin. O interior da Ermida (vamos ver) é delicado, sem ser amaneirado nem rico : dois altares colaterais de madeira (S. João Baptista e Santa Bárbara), a capela-mór coberta de abóbada semi-esférica, de cantaria em artezões. Lá está o simpático Santo Amaro no altar-mor. Os dois lambris de azulejo reproduzem a lenda da fundação da Ermida por galegos tripulantes de uma barca. Já agora anota a balaustrada da teia, de pau santo, realmente bonita"

4 comentários:

  1. Lindíssima, nunca a visitei, mas o post aguçou a curiosidade:)

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  2. Vai quando não estiver muito calor e sobe a escadaria, frente ao Museu da Carris. Vais adorar de certeza:)

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  3. cantei duas vezes nesta igreja...
    tem uma acústica muito interessante e a vista é fascinante

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  4. estudei aqui mesmo quase ao lado no Liceu Nacional de D. João de Castro. De 1964 a 1971/ 2. Muitas horas aqui passei à conversa com os meus colegas. Era um liceu misto já naqueles anos. Da fábrica Regina mais abaixo vinha um belo cheiro a chocolate. Que saudades...

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