24 de janeiro de 2012
Cais do Sodré: «Café Royal»
O afamado «Royal» frequentado por uma certa elite intelectual, ali almoçava com regularidade o pintor Columbano Bordalo Pinheiro, praticamente até ao fim da sua vida (1920), são algumas memórias de um antiquíssimo lugar outrora à beira-mar plantado.
(legenda e imagem: blogue ruas de Lisboa com história)
Estou sentado a uma mesa do «Café Royal» no Cais do Sodré. O comboio de Cascais chegou há pouco e os seus passageiros já se repartiram pelos «eléctricos», autocarros, táxis, que convergem para esta praça, bem vistas as coisas, de fisionomia um pouco estranha. Ficam os que por aqui costumam parar. O Cais do Sodré é a capital de um mundo que os lisboetas conhecem mal. O mundo dos marinheiros, do embarcadiço, dos navegadores que restaram da época. Bandos de emigrantes sorridentes, nervosos, gestos e vozes com uma nota de precipitação e ansiedade, circulam, de vez em quando, como pombos a esvoaçar, perdidos num remoinho que os leva, não sabem bem para onde. Os polos deste mundo, cuja alma está no mar, são as agências de navegação que, de um e do outro lado da praça, lhes vão resolver ou propiciar o destino incerto.
O Cais do Sodré é o lugar de Lisboa onde as raças se encontram e dialogam. Negros e loiros, morenos e amarelos encostam-se às esquinas e sonham. Uma camisa berrante, americana, uma gabardina fora de série, um chapéu desusado, dão-lhes a nota extravagante…
[…] Tenho vontade, às vezes, de juntar-me a esses grupos de homens de várias raças mas com um olhar parecido, um olhar de sal e maresia e distância e saudade e rudeza ingénua e aventura frustrada: para ouvir falar de cargueiros, de mulheres de outros continentes, de «bars» longínquos, de pequenas questões de bordo. Porque não o faço? Tantas inibições a contrariar a solidariedade entre os homens! Tantas barreiras, tantas portas fechadas! Sabemos ser solitários, não sabemos ser solidários.
A.G., Um lisboeta em Lisboa, Século Ilustrado, 16 de março de 1957
Muito interessante.
ResponderEliminarO Cais de Sodré foi perdendo um pouco esse ar que tinha nesse tempo, mas hoje começa a reavivar, com novas propostas, menos sórdidas, mas bem interessantes e...coloridas.
Este comentário foi removido pelo autor.
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