em fajão, uma ruína não é apenas uma ruína
para um urbano como eu, geralmente, uma ruina é apenas isso: uma ruína.
mesmo que para mim ‘esta’ ruína seja a casa do ‘marechal’ e que antes tenha sido a casa do ‘tabaínha’ ou ‘antónio grande’, como era conhecido o seu pai.
não são para aqui chamadas as histórias do tabaínha, homem enorme, bom cantador de fado serrano e um moiro de trabalho ou do seu filho, o ‘general’, coisa um pouco menos saudável, principalmente para o próprio que morreu cedo e doente.
a casa ardeu, por razões que não são para aqui chamadas, pelo menos por agora.
passo nesta ruína muitas vezes ao dia, porque fica no caminho para a minha casa.
para mim é uma ruína, cheia de lixo e com umas ervas já a crescer lá dentro.
para um fajaense (no caso, uma fajaense) o assunto é muito mais rico.
estávamos no passadiço a fazer misturas experimentais em aguardentes e licores e veio à conversa as ervas que os de fajão usavam para os seus tratamentos e uma fajaense presente, preciosa em muitas coisas e também no conhecimento das ervas, diz que a ‘erva tal’ até havia ali ao lado na casa do marechal.
fala-se de outra, e também havia ali na ruína.
proponho uma visita guiada à ruina e, tirada a foto, vem a explicação:
nesta foto pode ver-se, entre chão e paredes, o seguinte (para além do lixo e madeiras ardidas):
sabugueiro, avenca, erva de s. roberto, freixo, hera, erva terrestre, concelhos, alfavaca da cobra, abrunheiro.
quanto às suas utilidades:
sabugueiro (flores): constipações, gripe, tosse, dor de barriga, estômago, infecções externas.
para todas (excepto para as infecções externas, em que se coze a rama e se lava a zona infectada com a infusão) faz-se e bebe-se o chá resultante da infusão das folhas.
avenca: tosse, constipações, gripes, rouquidão: fazer chá com as folhas e beber.
erva de s. roberto (a mais generalistas das ervas, porque faz bem´’a tudo’): dores de estômago, intestinos, fígado, má disposição, barriga, bexiga, diabetes, inflamações internas.
para todas, beber o chá da infusão das partes aéreas da planta.
freixo: a casca e as sementes são adstringentes e febrífugas. as sementes contêm um óleo semelhante ao do girassol. o freixo é laxativo e sudorífico, utilizado para problemas de gota e para emagrecer. as folhas são usadas para baixar o ácido úrico no sangue, fazendo uma infusão numa proposrção de 30gr para 1 lt de água.
hera: desinfectar a boca, frieiras, queimaduras.
para as frieiras e queimaduras, fervem-se as folhas e banha-se a zona afectada com a infusão e colocam-se as folhas cozidas em cataplasma.
para desinfectar a boca, bochecha-se com a infusão.
erva terrestre: febre, gripes, garganta, tosse, coração.
faz-se infusão com a folha, rama com folhas e flores e bebe-se.
concelhos (ou concilhos): feridas, queimaduras, frieiras, furúnculos.
a utilização é muito varias, mas a mais comum é com aplicação directa sobre a zona afectada (directamente, esfregada, esmagada e aplicada, aquecida e untada com azeite. etc..)
alfavaca da cobra:rins, bexiga, diabetes, fígado, infecções internas, infecções ou irritações genitais, inchaços, hemorroidas, infecções externas, feridas.
para as questões internas, bebe-se o chá; para as externas, o valor resultante da cozedura sobre a zona afectada.
abrunheiro: comem-se os abrunhos que são muito bons (outras aplicações as minhas fontes não mencionam)
não respondo pela eficácia destes tratamentos e não pretendo convencer ninguém que são eficazes, mesmo que por vezes utilize alguns dos que vou aprendendo.
mas a verdade é que, em fajão, uma ruína não é apenas uma ruína: pode ser um local cheio de vida
fontes:
‘plantas medicinais da serra do açor’, editado pelo instituto de conservação da natureza e da autoria de joana salomé camejo rodrigues, com base nos testemunhos locais
‘plantas aromáticas e medicinais do parque natural da serra da estrela’, também do icn, da autoria de ana sofia baptista oliveira e rafael ferrão neiva
‘plantas aromáticas e medicinais da reserva natural da serra da malcata’, edição do icn e de autores vários com coordenação de paula gonçalves e fernanda mesquita
Gostei muito deste post, Carlos! Porque me tranportou para a vida nas localidades fora da cidade, e também porque acho que a Natureza nos dá mesmo quase tudo que nos faz falta, basta que saibamos ver.
ResponderEliminar