28 de junho de 2010

Incongruências...

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(imagem: Treauville, La Manche, 1949, arquivo de Mary Thiebot)

Um dos livros de Saramago de rápida leitura foi As Intermitências da Morte: tema incómodo para alguns, não pode deixar de causar apreensão pelo paradoxo para que nos remete: somos um país em envelhecimento, o que já aqui foi abordado com sensibilidade e num passado recente pelo gin-tonic, não equivalendo o facto de se envelhecer mais nas últimas décadas a uma maior conquista de qualidade de vida, quer pela forma como vemos serem tratados muitos dos nossos idosos, quer por adicionais argumentos igualmente incómodos.
Não pretendendo um post a aprofundar a temática, muitas das recentes leituras e algumas conversas de circunstância têm conduzido à reflexão. Viajando em pensamento para o continente africano recordo, à saída da’ minha’ «Escola 11 de Novembro», um retalho de reprimenda dada por um adulto a um jovem e ouvida à saída das aulas enquanto, a curta distância, passava um ancião: «o mais velho tem de ser respeitado!» e o miúdo, descalço e de calções remendados (como tantos que vi na infância e actualmente inexistentes no nosso pequeno país), a ouvir em silêncio com um olhar perdido, a vaguear pelas pedras do passeio… Só mais tarde, ao familiarizar-me com a cultura africana, entendi que «o mais velho» com os seus cabelos brancos era a autoridade máxima que ninguém se atrevia a desafiar. Verifica-se que um continente considerado periférico, como hoje lhe chamam os sociólogos, tem a particularidade de ser povoado não só pelos que atingem a longevidade, mas também por cantigas (parece que as crianças já nascem a cantar com aquelas vozes melodiosas sem terem estudado formalmente música) acompanhadas por jogos de palmas e ritmo como não voltei a presenciar noutros pontos do globo.
Outra questão surpreendente prendeu-se com o facto de todas as famílias serem numerosas. Sempre que precisei de auxílio doméstico, apercebi-me de que as empregadas, mesmo jovens, nunca tinham menos de cinco filhos (acreditando-se que a prole tenderia a aumentar). A explicação para o facto ainda foi mais surpreendente: «se não tivermos muitos filhos, quem nos irá acompanhar na velhice?».
Todas as gerações interagem naqueles espaços, sendo uma alegria verificar a constante mistura de idades em animada conversa, pois ainda há locais onde trocar ideias faz parte do quotidiano, mesmo quando o mesmo é de uma simplicidade feita de repetidos gestos. Um dia parece durar muito mais do que vinte e quatro horas, passando as semanas, os meses, os anos, com um vagar só entendido por quem o experimentou…
Fazendo a ponte com a nossa realidade, fica-se a pensar em conversas recentes com amigos do país vizinho. Diziam-me eles há cerca de um ano: «muitas das nossas escolas públicas reabriram com a vinda de imigrantes da América Latina, pois não se fixam por cá sem trazerem todos os membros da família». Sabendo-se hoje que o aumento da idade da reforma é algo de inevitável – ainda há dias esmagadoras manifestações em França traduziram esse mal-estar – não se pode deixar de sentir o paradoxo que consiste em não haver na velhinha Europa (e aqui ousarei passar as lusas fronteiras) um «contexto amigável» para que se possa povoar o país com risos e jogos de criança. Os avós, outrora parte integrante da educação na infância, cumprem hoje horários de trabalho não se cultivando, deste modo, a mais-valia do convívio entre gerações.
Quando tal não acontece, as condições de vida levam a que muitas das crianças ao nascer de pais cada vez mais 'crescidos' já nem sequer possam vir a conhecer os seus «mais velhos».

7 comentários:

  1. Por estas bandas, as mães têm os filhos já são um bocado "cotas". Às vezes são mais avós do que pais. Mas... todos os dias nascem e nascem e nascem... eles estão desesperados com a falta de professores que já se sente, mas que se vai agravar para breve. É que as famílias com um só filho que eu conheço têm sempre impedimentos clínicos para aumentar. Porque vontade... não lhes falta...

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  2. A Suiça será uma excepção, Luísa. Na Letónia também vi muitas crianças, tendo ficado surpreendida (e com pais muito jovens). Penso que ainda há locais onde a infância é devidamente acompanhada:)

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  3. O inevitável aumento da idade de reforma, não está só ligado à falta de nascimentos, mas também à idade tardia que os nossos jovens entram no mercado de trabalho, ou seja começam a contribuir para o sistema, pelo motivo dos estudos e ainda bem que assim é, mas......
    Outra das consequências são os baixos rendimentos ou salários de miséria, que são atribuidos aos jovens que entram no mercado de trabalho, para substituir os mais velhos e melhor remunerados,também com as consequentes contribuições reduzidas a entrarem no sistema.
    Tudo isto aliado aos gastos e má gestão dos recursos, torna-se bombástico para qualquer sistema ou economia.
    Só nos resta esperar que quando chegar a nossa vez de beneficiar das nossas contruições entregues durante anos, ainda lá haja algum no pote.

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  4. o saramago foice...

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  5. Belo post, Teresa.
    Um beijinho,
    Carla

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  6. É certo, Carlos Caria, quando ouvia isso, o risco de não "haver algum no pote", pensava ser a teoria algo irreal. Agora lembro-me de acesos debates que, infelizmente, não se parecem encontrar assim tão distantes da realidade...

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