25 de maio de 2010

os hipermercados, as aberturas ao domingo, o emprego e a liberdade de escolha do consumidor , 2

3.
é neste quadro de fraco crescimento bruto das vendas que a guerra por mais umas horas de abertura se desenvolve.
a aped (associação portuguesa das empresas de distribuição) encomendou em 2007, à empresa roland berger, um estudo sobre o impacto das abertura aos domingos.
centrando-nos no 'sumário executivo' desse documento (afinal onde está o resumo das razões apresentadas) verificamos que os argumentos são: um impacto superior a 2,5 mil milhões de euros até 2017; criação de 8 000 empregos directos, maioritariamente estáveis; benefícios para o consumidor em horário, diversidade de oferta e competitividade de preços; benefícios para os produtores e retalhistas; e, por último, impacto diminuto no comércio tradicional.
começando pelo último, os exemplos de diminuto impacto do comércio são os casos de sucesso: o circuito cultural da miguel bombarda, no porto, o 'santos design district', as noites de antiguidades em são bento, os 1158 estabelecimentos da zona da expo e o pequeno comércio de telheiras.
ou seja, os exemplos dados são aqueles que não sofrem a concorrência dos hipermercados, porque não vendem antiguidades, obras de arte, design de moda ou mobiliário, roupas de marca ou restauração.
afinal comparamos o não comparável.
outro dos exemplos (talvez o mais repetido, porque é o que vende melhor) é a criação de 8 000 postos de trabalho.
se nos últimos 10 anos a grande distribuição pouco aumentou o número de postos de trabalho (mantém-se na casa dos 70 000 postos de trabalho), independentemente de quase ter duplicado a sua superfície de venda, argumentar que os trabalhadores que são contratados no natal para fazer embrulhos, reforçar as caixas de saída ou a reposição nos lineares se pode extrapolar para o resto do ano, é achar que quem lê o relatório acabou de aterrar de marte.
o facto da grande distribuição organizada ter 75% de quota de mercado em vendas e empregar apenas 10% dos trabalhadores do sector, diz bem da sua preocupação em criar postos de trabalho.
quanto ao consumidor, a competitividade de preços de qualquer hipermercados, comparada com qualquer discont ou algumas das cadeias de supermercados, e nos frescos com o pequeno retalho tradicional, é algo que basta ir ás compras para saber onde se compra mais caro.
fala igualmente o relatório da vantagem da obrigatória adequação do comércio tradicional as novas condições impostas pela concorrência dos hipermercados.
a questão é que estamos a falar de coisas diferentes, a começar por esta questão muito simples: o comércio tradicional compra e paga os seus produtos antes deles chegarem à loja, os hipermercados pagam os seus produtos 60 a 90 dias depois de chagarem à loja. ou seja, um já pagou tudo o que tem na loja antes de vender, o outro vende a maioria do que tem na loja antes de o pagar.
um é apenas um retalhista; o outro é, alem de retalhista tem também um negócio de capitais a custo zero e rentabilidade assegurada.
não estamos a falar da mesma coisa, pois não?
quanto ao crescimento de 2,5 mil milhões de euros do sector (e não do crescimento dum lado por anulação de vendas do outro) até 2017, basta olhar para os últimos tempos para sorrir de tal previsão.

4.
voltando ao assunto dos 100 pequenos produtores algarvios preocupados com o seu futuro, entramos na liberdade do consumidor escolher os produtos que quer e ter uma oferta diversificada para o fazer.
a cada vez maior aposta da grande distribuição nas suas marcas de insígnia, líderes e sub-líderes, fazem com que a capacidade de escolha do consumidor esteja cada vez mais reduzida.
qualquer pequeno produtor na área da higiene e cosmética, drogaria, bazar, bebidas, charcutaria, lacticínios, legumes ou frutas, está completamente destinado à falência juntamente com a falência do pequeno comércio.
o fecho de uma pequena loja de retalho não é apenas o fecho dessa loja: é também o dos seus fornecedores que não têm dimensão para negociar com a grande distribuição.
a enorme quantidade de marcas que desapareceram do mercado nos últimos anos deve-se ao terem deixado de ter mercado para escoar os seus produtos.
cada emprego novo gerado no prato da grande distribuição, provoca muitos despedimentos no lado do pequeno retalho (mesmo que a falência dum pequeno empresário não conte para o numero de desempregados, não obstante ele ter ficado sem trabalho) e da pequena indústria.
ao contrário do que o estudo da roland berger para a grande distribuição diz, a abertura dos hipermercados durante mais horas não trará nem mais emprego nem mais liberdade de escolha: trará mais desemprego, mais falência e as nossas escolhas limitadas aos interesses de meia dúzia de cadeias de distribuição.



10 comentários:

  1. Carlos, um trabalho simplesmente fabuloso, com ideias bem estruturada, e fácil de leitura embora extenso.
    Força, que a idade não pesa, antes pelo contrário só acrescenta energia e sabedoria e ponderação.

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  2. Também recordo saudosamente a existência da mercearia, da drogaria, do carvoeiro, da leitaria, e outros representantes do pequeno comércio que a minha meninice ainda conheceu. Lembro-me depois do aparecimento dos primeiros “mini-mercados”, e do comentário do senhor António, proprietário da mercearia onde nos abastecíamos:
    “Vem aí tempestade!”.
    De seguida, os “super-mercados” devoraram os seus congéneres mais pequenos, e hoje em dia, são as “grandes superfícies” que dominam claramente.
    Percebo, caro Carlos, a sua preocupação, que é comungada e entendida por muitos.
    Sabemos das “jogadas”, das margens de lucro, do “pagar depois” e não antes, das quantidades que se compram, e do poderio que está por trás de muitas destas áreas comerciais.
    Só que…antigamente eram poucos os que tinham carro, por exemplo. As compras eram feitas diariamente, até porque o poder de compra era reduzido. Hoje todos têm carro, e é mais cómodo metê-lo num estacionamento coberto, quer chova quer não, e fazer as compras de um mês numa hora. Traz-se o que se precisa e aquilo que não é necessário, e as cadeias comerciais sabem isso. Promovem este produto, mas aquele compensa largamente a redução de preço do primeiro.
    É a lógica dura, por vezes cruel, que aniquila o pequeno, seja comerciante ou produtor, a que poucos resistem.
    Como me incluo no grupo dos que preferem a comodidade (será da idade?), não venho aqui defender o contrário.
    Mas sugiro que, pelo menos, tenham em atenção os primeiros 3 números do “código de barras” de qualquer produto. Se começar por “560” é português.
    Prefiro quase sempre esses.
    É modesta, mas é uma tentativa de salvaguardar o que é nosso, num alento singelo à continuação da produção.

    Bom texto, Carlos.

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  3. Só surpreendem depois as contradições. Defendendo há dias os pequenos investimentos, afirmou Belmiro de Azevedo: «quando o povo tem fome tem direito de roubar», pergunta-se:«será tal ideia demagógica?» Penso que o depoimento possa ser visionado aqui:

    http://www.agenciafinanceira.iol.pt/consola.html?mul_id=13262314

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  4. teresa,
    esse senhor também dizia que os consumidores e a concorrência ficavam mais defendidas se, em vez de existires 3 operadores nas telecomunicações, passassem a existir apenas 2....
    josé,
    a questão da comodidade, para mim, é muito mais ir a pé ali ao lado e comprar, ainda assim, muito mais barato que num hiper.
    mas a minha questão não tem a existência dos hipers que fazem falta: tem a ver com a argumentação usada para estarem abertos em condições que para o retalho tradicional é impossível abrir: fica muito mais caro fazer dois turnos para quem tem poucos funcionários do que para quem tem muitos que além disso usa as contratações em horário parcial para cobrir horários.
    nunca ninguém ficou sem comer ou vestir ou lavar por os hipermercados estarem fechados ao domingo. quem quer comprar para o mês inteiro, escolhe um sábado ou o dia que descanso que tiver para além do domingo.
    e mesmo a falácia da situação portuguesa ser excepção (dita no relatório), a maioria dos países da comunidade europeia t~em regras limitativas de abertura ao domingo (alemanha, austria, bélgica, dinamarca, frança, grécia, holanda, itália, luxemburgo e reino unido).
    e os consumidores de lá vivem em mercados bem mais competitivos que portugal... e não morrem de fome por não terem ao domingo á tarde o hiper aberto..

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  5. caria,
    a idade pesa imenso na balança...
    tu conheceste-me com menos uns 15 quilos..

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  6. Carlos Também tenho mais uns... mas a gordura não tapa o cerebro.
    O grande princípio é não os alimentes, ou seja se queres que eles fechem ao domingo e feriados, não vás lá nesses dias.

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  7. Ambos são elegantes! Caladinhos:)

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  8. Gostei muito de ler o seu texto. Não conhecia esse belo estudo.
    Eu moro na Suíça onde os supermercados estão fechados aos domingos e feriados. Com excepção dos "supermercados de serviço" (num raio de cerca de 25km conheço 3, em pontos estratégicos: aeroporto de Zurique, estação de comboios principal da cidade de Zurique e a estação de comboios da minha cidade).
    Mas mesmo nos outros dias não é como lhes dá na cabeça. De segunda a sexta, a maioria fecha às 18h30, ao sábado fecha às 17h. Os supermercados com horários excepcionais são mesmo muito poucos e com horários decentes (20h durante a semana, 18h ao sábado) e que não quer dizem que estejam entupidos até à última da hora...

    No entanto, eu cá acho que esta história das compras ao domingo ou até às 22h durante a semana é cultural. Uma cultura triste, é certo, mas basta ver as romarias que há para os centros comerciais aos domingos. Para muitas vezes nem um simples café beberem!!
    Se as pessoas optassem por alternativas ao "Passeio dos tristess" (invenção do meu irmão para definir a romaria dominical às lojas) esta discussão, que já é velha e já irrita, perderia todo e qualquer sentido.

    Se as pessoas passassem mais tempo com as suas famílias em actividades interessantes, os trabalhadores teriam horários mais decentes e também poderiam ter mais tempo com as suas famílias!!
    Estou completamente de acordo com o Carlos Caria, eles são os bichos maus e nós não os podemos alimentar...

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  9. claramente devemos não comprar nos hipermercados aos domingos e feriados !!
    se a lei não os fecha, que esteja fechado para cada um de nós
    :)

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  10. o texto recordou-me a minha preocupação quando fechou uma empresa de recolha de leite aqui, na tragédia que foi para os pequenos produtores não terem como escoar o que lhes dava alimento, supermercados abertos ao domingo, sou contra, que possam estar abertos até às 23h sou contra, como sou contra a abertura indiscriminada de centros comerciais e de tudo o que tende a acabar com o pequeno comércio, é que o consumidor final, não sabe ou não quer saber, como é que compra tão mais barato no hiper, não percebe que só compra o que lhe querem impingir, mas não é nada fácil explicar ao comum dos mortais aquilo que tu tão bem explanaste.......

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