27 de abril de 2010

A SOMBRA DO QUE FOMOS

























Ele sabe onde estava no dia 11 de Setembro de 1973.
Sempre que lembra esse dia, salta-lhe à memória uma frase da Simone Beauvoir: “É horrível assistir à agonia de uma esperança.”
Luis Sepúlveda, que, entre outras, já nos contou a história de um velho que lia romances de amor, de uma gaivota que ensinou um gato a voar, surgiu, o ano passado, com um novo livro: “A Sombra Do Que Fomos”
Quatro ex-exilados, antigos militantes de esquerda, sobreviventes de um tempo dramático, encontram uma pátria onde tudo é diferente. Juntam-se para uma última aventura que, possivelmente, vai fracassar, mas fazem-no em nome dos mesmos valores e recordam , na história de Santiago, por 1923, o assalto a um banco:
“Entraram de cara descoberta, fecharam a única porta, puxaram das armas e Durruti, com uma voz mais adequada a um actor de folhetins radiofónicos disse: “Isto é um assalto mas não somos ladrões. Os donos do capital unem-se para explorar os povos de todo o mundo e é justo que os ataquemos onde menos esperam. O dinheiro que levarmos tornará possível a felicidade dos condenados da terra. Saúde e anarquia!”
A páginas 87 do livro, um destes ex-exilados, por conduzir o carro em sentido contrário. provoca um grave acidente. Sepúlveda adianta o porquê:
“Era um retornado do exílio, um homem que tinha vivido quinze anos em Praga e em sua defesa alegava que os factos tinham ocorrido no seu bairro, que toda a vida aquela rua ia de norte a sul e que não sabia quando tinha mudado de sentido. Os que voltavam do exílio andavam desorientados, a cidade não era a mesma, procuravam os seus bares e encontravam lojas de chineses, na farmácia da sua infância havia um bar de “topless”, a velha escola era agora um concessionário de automóveis, o cinema do bairro uma igreja dos irmãos pentecostais, Sem os avisarem, tinham-lhes mudado o país."
“A Sombra Do Que Fomos” lembra o manto de terror que envolveu o Chile.
Escrito com humor, conduz-nos para uma nostalgia amarga, uma nostalgia de quem sabe que a juventude de muitos terminou nesse 11 de Setembro de 1973. Diga-se que o autor fez parte da guarda pessoal de Salvador Allende. Tinha, 23 anos.
Na dedicatória do livro escreveu:
“Às minhas companheiras e companheiros que caíram, que se levantaram, curaram as feridas, conservaram o riso, registaram a alegria e continuaram a caminhar.”
Um tempo largo já passou sobre esse Setembro de 1973.
A ditadura de Pinochet durou 17 anos, uma parte do povo chileno esteve de acordo com essa ditadura, outra parte foi conivente – por medo, por conveniência, por ignorância. Sabemos bem como isso é. A nossa ditadura durou quase 50 anos, e recorda o Armindo, para indignação dos que o rodeavam a dizer: “não é Salazar que é forte, é a oposição que é fraca”.
Alguma coisa já mudou no Chile, mas pressente que, mau grado o optimismo, ainda não deixou de chover em Santiago.
Estima-se que ainda existem mil desaparecidos e daí ficar-lhe a ideia que jamais deixará de chover em Santiago.
Disseram, os que destas coisas sabem, que “A Sombra Dos Dias” é uma homenagem ao idealismo dos perdedores, ao fim das utopias.
Quem é ele para dizer o contrário, ou o que quer que seja. Mas gostará de adiantar que, é um livro comovente, um livro escrito por alguém que sabe, que do exílio não se regressa nunca.
“O vendedor tinha sido, e era, comunista – porque isso é uma verruga moral que nunca se arranca – precisou.”

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"A Sombra Do Que Fomos", Luís Sepúlveda, Porto Editora, Outubro 2009

6 comentários:

  1. Li este livro há pouco tempo, mas li-o tão depressa, tão sofregamente que tenho que voltar a lê-lo.

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  2. Caro Gin Tonic,

    Nós... por cá..., com as "alterações atmosféricas" à vista corremos o risco de, se continuarmos a olhar apenas para os próprios umbigos, aparecerem por aí uns "metereologistas" de chapéu de chuva sem varetas que nos dêem um aguaceiro[à Santiago], ou uma banhada até aos ossos!

    Sim! Pois será até ao osso, que se irá sentir de novo a necessidade de uma "bica" com a espuma que o café da capa do livro que nos mostra, apresenta [A Sombra Do que Fomos].

    Haja quem continue a deixar em branco datas importantes de Liberdade - como a do 25 de Abril -, e poderão num futuro muito próximo chorar sobre o leite derramado ou, pior: chover no molhado, à Santiago, na Praça do Chile e arredores por todo o Portugal!

    Amigo Gin Tonic:
    Senti a sua falta!

    Um grande abraço
    César Ramos

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  3. Não é apenas o César Ramos que é vítima de pirataria.
    Pela calada da noite, - é dos livros! - um grupo terrorista entrou pelo computador dentro. Destruiu o que tinha para destruir e foi embora. Deixou assinatura: “W32/Wercorl.a”.
    As forças locais não foram capazes de suster o inimigo. O filho já o tinha avisado para não usar “anti-virus da treta”, mas ele é um nabo nestas coisas de informática, não sabe nada de nada, também não quer aprender.
    Agora tem andado em palpos de aranha para recuperar textos, fotografias, memórias…
    Pacientemente têm-no ajudado. Aos poucos vai recuperando, mas alguma coisa se perderá.
    Certamente não voltará à mesma alegria, ao mesmo gosto…
    Já sabia, mas agora mais do que nunca, que não deveria ter abandonado a ardósia, o caderno de duas linhas…
    Mas navegar é preciso, diz o cantor, e certamente voltará aos caminhos velhos.
    Obrigado pelo abraço.

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  4. Era boa ideia teres ouvido o teu filho:)

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  5. Caríssimo Gin-Tonic,

    Antes viroses no computador, do que em si!

    Deixe lá as inteligências robóticas
    suportarem essas doenças provocadas pela exploração do negócio cibernético!

    Melhores memórias do que aquelas com que nos habituou, pontificando nos seus posts..., não há igual!

    E é com elas que se fará História (...)jamais com os 'sedimentos' dos discos rígidos, ou outras tretas iguais!

    Por causa dos vírus, descurei o 'planeamento' familiar e, agora, tenho 3 bocas para 'alimentar'!

    Três blogs!

    Caso para dizer: quem muito burro toca, algum há-de ficar para trás...!

    O burro que fica para trás sou eu, mais a 'mania' de que serei capaz!
    Os 'disparates', por lá andam escritos (...)

    [é o MUNHO e o MUNHO do ALFOBRE]

    Ora, se nem de um eu já dava conta, mais dois - estão lá no Alfobre -, vai ser o fim da picada!!

    Entre mortos e feridos, alguém irá escapar(...)

    E este país, está a ser um bom campo de testes de sobrevivência!

    De nada pelo abraço... e faça o favor de receber outro!

    César Ramos

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