2 de fevereiro de 2010

Rosa Lobato Faria (1932-2010)

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Lembro-a durante a minha adolescência nos programas de tv da responsabilidade de David Mourão-Ferreira. A então jovem Rosa lia versos ilustrativos com uma expressividade que cativava mesmo quem de poesia ainda não tivesse a maturidade do entendimento.
Há vinte anos, a minha filha mais velha foi convidada para participar num concurso televisivo no qual cada adulto se fazia acompanhar por um filho ou jovem familiar. Um amigo-irmão ligado à música, na impossibilidade de convencer o seu descendente a participar - o miúdo recusou-se a aparecer em frente às câmaras - convidou a minha filha que aceitou com entusiasmo . Entre os participantes, encontrava-se Rosa Lobato Faria a acompanhar uma neta. As gravações nem sempre correm como se espera e o actor-apresentador responsável, nesse sábado de manhã, enganou-se inúmeras vezes, tendo o concurso sido cansativo para participantes ainda tão jovens. Fiquei enternecida com o gesto maternal da escritora: abrindo uma enorme caixa de pastelaria que levava, distribuiu pães de leite com fiambre pela miudagem concorrente tendo conseguido, desse modo, bem como com as palavras amáveis que lhes dirigia, contribuir para que não desanimassem.
Pouco conhecedora dos textos de sua autoria e ainda há pouco a regressar a casa, fui surpreendida pela notícia do desaparecimento. Veio-me de imediato à memória a sensação de simpatia que deixou na Catarina, então com sete anos de idade.
Procurando textos seus, seleccionei um pequeno excerto autobiográfico hoje publicado no JL:
Aos quatro anos aprendi a ler; aos seis fazia versos, aos nove ensinaram-me inglês e pude alargar o âmbito das minhas leituras infantis. Aos treze fui, interna, para o Colégio. Ali havia muitas raparigas que cheiravam a pão, escreviam cartas às escondidas, e sonhavam com os filmes que viam nas férias. Tínhamos a certeza de que o Tyrone Power havia de vir buscar-nos, com os seus olhos morenos, depois de nos ter visto fazer uma entrada espampanante no salão de baile onde o Fred Astaire já nos teria escolhido para seu par ideal.
Chamava-se a isto Adolescência, as formas cresciam-nos como as necessidades do espírito, música, leitura, poesia, para mim sobretudo literatura, história universal, história de arte, descobrimentos e o Camões a contar aquilo tudo, e as professoras a dizerem, aplica-te, menina, que vais ser escritora.
Eram aulas gloriosas, em que a espuma do mar entrava pela janela, a música da poesia medieval ressoava nas paredes cheias de sol, ay eu coitada, como vivo em gran cuidado, e ay flores, se sabedes novas, vai-las lavar alva, e o rio corria entre as carteiras e nele molhávamos os pés e as almas.


(texto e fotografia: JL 2 de Fevereiro de 2010)

4 comentários:

  1. Estou aqui a olhar para a minha estante e li quatro livros dela há muito tempo. Lembro-me dos "Pássaros de Seda" e a história da colcha e do "Prenúncio das Águas", que fala da aldeia da Luz.

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  2. Também fiquei muito triste com esta notícia. Sabemos que a lei da vida é esta, mas custa-nos sempre abrir mão de pessoas que nso fazem tanta falta. Mesmo sem o saberem.

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  3. lulu,
    Eu nunca li nada da autora, apesar de ter ficado curiosa quanto ao tema 'aldeia da Luz', pois ainda cheguei ao local a tempo de rever a original (antes da subida das águas) e a nova aldeia 'clonada':)

    Nupa,
    Também fui apanhada de surpresa, algumas figuras públicas parecem fazer um pouquinho parte do nosso quotidiano (com todo o respeito pela sua privacidade, como pela de qualquer pessoa anónima), no meu caso foi o ter gostado da forma como a escritora (antes de o ser) dizia versos e o modo tão espontâneo e agradável como lidava com as crianças.

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  4. Deixa de brilhar uma personalidade multifacetada...faz sempre alguma confusão, embora todos saibamos que "a lei da vida" é esta!!! ;)

    Obrigado à Teresa por ter feito esta evocação.

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