26 de abril de 2009
O DIA SEGUINTE
Um dia, já Abril tinha sido há algum tempo, há-de ouvir alguém dizer “Vocês foram felizes no fascismo!” Ouvirá um outro alguém responder: “Não! Fomos felizes contra o fascismo!”
Se bem que o poeta lhe tenha ensinado que saudades, só do futuro, há-de muitas vezes sentir imensas saudades dos companheiros do 24 de Abril. Face ao país irrespirável, com o peso da religião, o colonialismo, a guerra, a Pide, era gente generosa que acreditava, que não ambicionava nada mais que do a liberdade: e o fim de uma guerra estúpida e inútil. Sim, uma imensa saudade desses companheiros de 24 de Abril, possivelmente o último dia em que ainda nos respeitámos. Depois, não imediatamente, há-de confrontar-se com uma série de sucedidos que o hão-de levar a não mais acreditar em coisas em que acreditou. O Mário-Henrique Leiria a dizer: “Vê lá tu, que o Álvaro Guerra deixou de me falar só porque não sou do partido dele!...”
Enquanto ouvia Beethoven., José Saramago dizia que quando nos julgassem bem seguros, cercados de bastões e fortalezas, os altos muros ruiriam em grande estrondo e chegaria o dia das surpresas.
Sim, o dia de muitas surpresas. Uma delas foi ver tanta gente nas ruas. Onde estava toda esta gente, agora a dar vivas à liberdade, quando nos sabíamos tão poucos os que lutaram contra a ditadura?
Miguel Torga escreverá no seu “Diário”:
“Coimbra, 25 de Abril de 1974 – Golpe militar. Assim eu acreditasse nos militares. Foram eles que, durante os últimos macerados cinquenta anos pátrios, nos prenderam, nos censuraram, nos apreenderam com as baionetas o poder à tirania. Quem poderá esquecê-lo? Mas pronto: de qualquer maneira, é um passo. Oxalá não seja duradoiramente de parada…”
Alguns dias depois das gentes nas ruas, da euforia, a poeira começou a assentar e diversos sinais começaram a surgir.
Por esses dias Raul Portela Filho escreverá no “República”
“De resto, o camaleão não muda de cor uma vez só.
Mudar de cor é a própria natureza do camaleão.”
Há um poema de Sophia, “Fragmentos de Os Gracos”, que guarda uma lição de política:
“Os ricos nunca perdem a jogada, nunca fazem um erro. Espiam. E esperam os erros dos outros. Administram os erros dos outros. São hábeis e sábios. Têm uma larga experiência do poder e quando não podem usar a própria força, usam a fraqueza dos outros. E ganham.”
Há-de saber mais tarde que demasiados erros, demasiadas distracções, demasiadas ingenuidades, mergulharão o país num mar largo de clientelismo, da partilha do poder, de corrupção, do salve-se quem puder…
Trinta e cinco anos depois, perguntam-lhe que é feito daquele sol que uma madrugada trouxe, essa madrugada que pensávamos estar bem gravada no calendário dos nossos sonhos. Não encontra resposta, talvez não queira fazer um esforço para a encontrar. Lembra apenas que houve um tempo em que foi feliz e que de há muito vive a ressaca desses dias. E não por acaso saltam-lhe as palavras de Simone Beauvoir: “É horrível assistir à agonia de uma esperança.”
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Fotografia de Eduardo Gajeiro
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