
VINTE E QUATRO HORAS "CRONO"
Todo o meio envolvente nos convida hoje a funcionar “em tempo real”. É a síndrome “24 horas crono”. Jack Bauer é assim convertido em modelo absoluto. Nas ruas, estações e aeroportos tanto jovens de jeans como homens e mulheres de negócios sacam do telemóvel ao primeiro toque e, com ar crispado, alguma tensão na voz e de um só fôlego respondem: “Jack Bauer, escuto…”. Na realidade, podem chamar-se Ana, Manuel , Alexandra ou Filipe os que se encontram do outro lado da linha…só que interiorizaram a personagem com uma convicção tal que chegamos a antever atiradores em emboscada, grandes sedãs negros, levando-nos a olhar para o alto em busca de helicópteros a sobrevoarem o local.
Acontece que todos andamos afectados e todos integrámos a urgência. Ela foi convertida em norma. Tudo se passa como se agíssemos em permanência sob acompanhamento das câmaras de filmar que difundem a nossa imagem a milhões de telespectadores : é impossível pararmos alguns minutos para um passeio, para reflectirmos, para deixarmos tocar o telefone no vazio, optando por estar um pouco “na lua” ou a pensar em quem nos é querido! Os telespectadores aborrecer-se-iam e fariam zapping de imediato! Em permanência fazemos passar a imagem de seres hiperactivos. Importantes porque andamos apressados. Apressados porque somos importantes.
Jack Bauer nunca larga a pressão em que vive, não parando para se alimentar ou para ir à casa de banho; nunca carrega a bateria do telemóvel conseguindo, num fechar de olhos, comunicar com todos os seus interlocutores. Melhor ainda: chega em simultâneo a vários lugares do planeta graças aos ecrãs que lhe permitem pilotar em directo e em “tempo real” brigadas móveis e mísseis telecomandados.
É evidente que existem no planeta situações a exigir esta rapidez de reacção: o terrorismo, a captura de reféns, catástrofes naturais ou industriais fazem, infelizmente, parte do nosso quotidiano. Mas a banalização da “síndrome crono” tem algo de inquietante: o esbatimento de fronteiras entre acontecimentos realmente dramáticos e os incidentes normais da nossa vida pessoal ou profissional, dado que, a agitação permanente em que vivemos acabará por nos impedir de pensar nas coisas verdadeiramente sérias. A entrar em pânico por termos falhado a um encontro ou por não ter chegado uma mensagem de telemóvel aguardada, a agitarmo-nos de toda a maneira e feitio porque um cliente não está satisfeito ou porque uma informação não chegou a nós “em tempo real”, acabaremos por esquecer que o tempo real é um tempo fictício, que os momentos de espera permitem apreciar melhor as situações e que a felicidade requer, por vezes, o corte do telefone.
Philippe Meirieu (sem referência bibliográfica), tradução livre para este post
Olá,
ResponderEliminarEste Philippe Meirieu tem um excelente sentido crítico. Gostei muito!
E hoje descobri que "não estamos sós" neste particular, este nome já está a ser difundido para algumas "mailing lists":)
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