16 de fevereiro de 2009

La plus belle ville du monde...

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Lembra-me o texto de José Rodrigues Miguéis por nas ruas parisienses se viver “a voragem empolgante da grande cidade”.
Era visita sempre ansiada na juventude durante exílios familiares. Na infância, partia com a avó, mais tarde, na adolescência já autónoma, apanhava em Santa Apolónia o Sud Express.
Liberta de memórias opressivas, realço a entrada festiva em solo francês. Da janela avistava a nítida orla marítima de Saint-Jean de Luz, o mar sorria, em jeito de boas-vindas, mesmo em tempo invernoso a anteceder o Natal. Um odor húmido e salgado parecia atravessar as janelas fechadas do comboio, colando-se à pele.
Durante o trajecto, a ansiedade por espaços abertos era denunciada por cigarros que ia acendendo. Vozes protectoras diziam: “deve beber leite para desintoxicar, olhe, esta garrafa ainda está por abrir”. Das conversas com viajantes, lembro um idoso que entrou em Coimbra – ia visitar um neto, estudante de belas-artes na cidade. Eu só deixava escapar: “vou passar o Natal com os tios” e, de seguida, deixava que a conversa desaguasse em banalidades.
Chegada a Austerlitz, a condensação e o escuro da gare tocavam-me. Sempre acreditei que cada cidade tem um cheiro próprio. O de Paris é inconfundível. Os tios, sorridentes, abraçavam-me. Ficavam esquecidas as longas horas de viagem, bem como tanta necessidade de sono – quem diz que é tempo perdido? -. desperdiçada. Nas semanas seguintes, a vida converter-se-ia numa enorme festa, ainda hoje evocada com satisfação.
É por isso que gosto da voz de Piaf, do som do acordeão e encontro uma alegria desprendida nos “clochards” estendidos ao sol, sobre degraus que ladeiam o Sena…
Não pensava falar em Montmartre, em esplanadas envidraçadas, no Quartier Latin. Tudo isto começou quando tropecei, há pouco, nas linhas de Almada Negreiros:
Um dia foi a minha vez de ir a Paris. Foi necessário um passaporte. Pediram a minha profissão. Fiquei atrapalhado! Pensei um pouco para responder verdade e disse a verdade: Poeta! Não aceitaram
Também pediram o meu estado. Fiquei atrapalhado. Pensei um pouco para responder verdade e disse a verdade: Menino!
Também não aceitaram.
E para ter o passaporte tive de dizer o que era necessário para ter o passaporte, isto é – uma profissão que houvesse! E um estado que houvesse!

6 comentários:

  1. Orla marítima de Saint-Jean de Luz...
    O melhor seria voltar outra vez mas de automóvel.
    Passando por Hendaia-praia, iria até Socoa pela marginal (route de la corniche) e depois até Ziburri aliás Ciboure, cidade natal de Maurice Ravel.
    Aqui atravessando o rio Nivelle passa para Donibane Lohitzun conhecida por Saint-Jean de Luz.
    Pare um pouco no estacionamento do porto. Se passar à noite, pode ir até ao restaurante "Le Suisse" para ouvir jazz ou ao lado a marisqueira "Txalupa". é de ficar chalupa...
    Deve ser melhor que o combóio.
    A menos que queira viajar em TGV.
    Todavia a velocidade TGV existe só entre Tours e Paris.
    Para Paris ainda faltam 800 Km, veremos mais tarde...
    Zé de França

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  2. Ao jazz não resisto!Quanto à marisqueira, receio aqueles instrumentos complicados para "quebrar" lagostins... é que na própria cidade-luz, tendo recusado discretamente tão sofisticada engenhoca, acabei por partir um dente, e o ambiente era tão "sério" que me retirei discretamente e acabei por me rir de mim própria:)
    Já que as sugestões partem de um "vrai connaiseur", torno o comentário numa adivinha, é que tenho andado aqui a tentar lembrar-me da cidade onde nasceu Erik Satie, local com que esbarrei por acaso, não me conseguindo lembrar do nome nem encontrar os postais que juntei, talvez agora num canto do sótão depois de grandes obras cá por casa:)

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  3. Se voltar a Paris, recomendo para voltar a encontrar o tal cheirinho, passear a pé,por exemplo dos lados do Canal Saint-Martin.
    Os seus tios estavam de que lado de Paris ?
    Champigny-sur-Marne ?
    Aparece esta localidade no blogue !?
    Vou lá, à brocante do parque do Tremblay no 1° sábado do mês.

    De resto Paris intramuros está bastante aseptisado e demasiado visto.
    A Goutte d'Or está muito diferente e os Grands Magasins du Louvre já fecharam.
    Até a La Samaritaine já fechou também.
    Ainda há as montras de Natal dos lados do Boulevard Haussmann. Le Printemps e Galeries Lafayette.
    Claro, caso volte outra vez pelo Natal.

    Zé de França

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  4. A cidade onde nasceu Erik Satie era Honfleur no estuário do rio Sena frente a Le Havre.
    Viveu em Arcueil nos arredores de Paris (94).
    Nesta última cidade viveu antes uma personagem mais célebre ainda mas que foi parar a Charenton (Júlio de Matos de cá). Hospital Esquirol em Saint-Maurice actualmente.
    Um marquês no manicómio...vejam lá
    Este vinha do Sul da França, dos lados de Marselha.
    Paris faz a gente maluca, podem acreditar.

    Voltando ao Erik, ele foi o padrinho do grupo dos seis entre os quais Germaine Tailleferre de Saint Maur des Fossés.
    Foi uma personagem fora do comum tanto musicalmente como pelo carácter pessoal.
    Várias emissões foram difundidas em português ao lado de Arcueil, em Villejuif mais exactamente pelo Rádio Clube Português na Route Nationale 7, no 1° andar do Centro Comercial Carrefour com animação "par votre humble serviteur".
    Zé de França

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  5. "-Entregas-me as peles em Moiros?
    - A que horas?
    - Às onze.
    As peles eram os emigrantes clandestinos."
    Miguel Torga "Diário"

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  6. Fantástico, fui jantar e vejo que recebi informação para ir "digerindo":)
    O meu tio não viveu em Paris, para quem sai "à aventura" com mulher e filhos (e à aventura será eufemismo) teve de viver nos subúrbios. Trabalhava numa empresa na "Opera" pois, apesar de pouco falar a língua, tinha uma linguagem universal: a matemática. Actualmente vive no meio de uma floresta e já está reformado. O local é lindo, tendo todas as casas tonalidades e arquitectura harmoniosas.
    Quanto a todas as informações culturais, vou registá-las e interiorizá-las em tempo:)
    O tio, como ex-militar que se preze, deixava-me andar por Paris por conta própria sempre que não havia quem me acompanhasse, mas dava-me sempre indicações rigorosas registadas numa planta da cidade para que eu não me perdesse e o seu feitio metódico ajudava, pois o sentido de orientação nunca foi um forte:)

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