17 de fevereiro de 2009

COMEÇOS DE LIVROS

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Começo de “A Paixão” de Almeida Faria:

“De madrugada ainda levantar-se, descer para a cozinha e enregar o trabalho reacendendo lume no fogão, lavar a louça que ficou da véspera, com sobejos de comida, em monte sobre a pia (durante o inverno a água gela, corta os osso da gente, faz doer às vezes até pelo braço acima – deve ser reumático – mesmo ao cotovelo) e só depois sair para o quintal em que os pardais já cantam sobre o carrapateiro, filhar da vassoura e, com ela, varrer a capoeira e aos bichos dar farelos e mais reção avondo (de manhã as capoeiras têm sempre um certo cheiro azedo como alguns quartos de homem) e também ao pintassilgo mudar a água para beber, pôr a tina do banho, dar-lhe ou alpista ou uma folha de alface ou atão ambas, retirar o papel que, ao fundo da gaiola, se enche de cagadelas dia a dia e de casca de alpista, voltar depois ao quarto, lá em cima, a fim de pentear-se, pintar-se se ele a espera, pôr arrelicas e se aparelhar do casaco comprido, cinzento e desbotado, meter a carteira na algibeira, descer de novo a escada em caracol para a cozinha.”

12 comentários:

  1. Que bom relembrar Almeida Faria, 2 pensamentos em "flash" e com a subjectividade de qualquer opinião:
    1- a expressão "avondo" é-me agradável;
    2- quem terá afirmado que a criatividade no uso pontuação é apanágio de um escritor mais recente e galardoado com um dos mais notáveis prémios literários?

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  2. Belo quadro, não conheço o autor. Perdoe-me a ignorância, não é brasileiro, ou é? Parece português europeu, mas certos autores brasileiros 'disfarçam bem', e algumas expressões deixaram-me dúvidas.

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  3. o almeida faria é um autor muitíssimo injustamente esquecido.
    quanto às pontuações, há muito que muitos escritores as não usavam.

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  4. Eu sei, anónimo, mas tenho vindo a ouvir e ler algumas opiniões que defendem ter sido o nosso Nobel da Literatura o inovador na matéria:)
    (assim de repente também me ocorreu António Lobo Antunes e, noutras paragens, já há tanto que se fazia, ocorre-me o Ulisses de James Joyce)

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  5. mmm o ulisses..
    agora é que me deste no ponto fraco...

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  6. Almeida Faria publicou o seu primeiro livro “Rumor Branco” em 1962 (tinha então 19 anos), com um prefácio de Vergílio Ferreira, e logo nesse ano conquistou o Prémio Revelação da Sociedade Portuguesa de Escritores. Por opção sempre fugiu a entrevistas e encontros, mas sempre foi afirmando que sempre fugiu àquilo que se pode chamar “escrita fácil”. O que sempre lamentou foi que a sua obra não tivesse sido mais criticada. E estamos a falar de um tempo em que os jornais tinham suplementos literários e secções críticas feita por gente que liam os livros e sabiam do que estavam a falar. O exigente e complicado João Gaspara Simões chamou-lhe genial
    Há meia dúzia de anos o próprio Almeida Faria disse que o jornalismo dito cultural é um terrorismo interessado em promover a mediocridade.
    Não são fáceis os livros de Almeida Faria, há que ter perder tempo com eles.
    Não é vasta a sua obra mas o que existe é do melhor que a literatura portuguesa conhece.
    “A Paixão” é o livro do meio de uma trilogia que começa em “Rumor Branco” e acaba em “Cortes”
    Quanto à capa, caro anónimo das 11,39 horas,é da autoria de João da Câmara Leme mas não sabe se composta sobre gravura de autor ( o facto não é mencionado) ou se a gravura é da autoria do próprio Câmara Leme.

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  7. o joão câmara leme tinha das melhores capas de livros.
    trabalhou imenso para a portugália (alves redol, romeu correia, josé régio...) a colecção 3 abelhas (uma muito mais que excelente colecção de livros de bolso)...
    quanto ao almeida faria, tropeceu nele, pelos meus 19 anos também, com esta paixão...

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  8. Eu tropecei nele na Anchieta e tive direito a cumprimento por mérito de quem eu acompanhava. O Almeida Faria é um senhor. E que lindo é ainda.

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  9. Completamente de acordo em relação às capas. No tempo em que havia editores que gostavam de livros - já morreram quase todos rodeavanm-se dos melhores capistas, dos melhores tradutores, dos melhores revisores. Os editores de hoje odeiam livros e tratam-nos como chouriços.
    Pelas lindissimas capas que se fizeram, criou aqui no blogue uma secção "Também Pelas Capas dos Livros" que seria interessante, muito interessante mesmo, que tivesse outras colaborações.

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  10. E quem é que se lembra do Ruben A.?Deixou pouco (em quantidade), mas marcou. Falo do romance A Torre da...

    (peço desculpa, mas o "bug" das adivinhas está a alastrar pelos comentários :)

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  11. Bem...eu lembro-me. E anda a filha dele por aí.Ou neta?

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  12. Aliás tem um texto belíssimo sobre 1969 que estou a transcrever.

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