31 de janeiro de 2009

COME CHOCOLATES, PEQUENA

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De repente telefonam: o Afonso está com escarlatina.
Pensava que já não havia escarlatina, que era uma doença do tempo das descobertas, mas, claro, isso era o escorbuto.
O Afonso é o neto e durante uma semana teve de passar algum tempo a contar histórias. Anda sempre a repetir que: histórias é muito melhor que o Canal Panda. Depois apanham-lhe a frase e telefonam a dizer que, para não haver Panda terá de ir contar histórias.
No meio das histórias para o neto, viagens de comboio até à Parede e volta, não houve muito para estas lides, um olhar rápido, deu para ver que havia coisas interessantes, a começar nos Chocolates Regina. Claro que os Chocolates Regina já não são o que eram. Acontece que ele também não.
Chegado está o tempo de, com toda a frontalidade, declarar que é um chocolatedependente. Não comer chocolate, ou não o ver por perto, fá-lo sentir emocionalmente desequilibrado, ansioso e angustiado. O chocolate torna-lhe os dias inquietos. Sabe que não pode comer, ou melhor abusar, mas a simples ideia de não ter chocolates por perto faz emergir uma sensação de desespero e raiva que aos poucos se transforma em angústia. Doce dependência?!
Ao gin-tónico, ao tinto,a o cachimbo, aos charutos consegui colocar um travão. Mas chocolates são uma outra história, interminável mesmo, pois sabe que nada vai conseguir. Acresce que não se limita a comer chocolate. Antes devora chocolate. Aquele gesto suave de partir um pedacinho, meter na boca e ficar a saborear de olhos fechados enquanto se derrete na boca, não está de modo algum ao seu alcance. Tablete aberta, caixa de bombons aberta, não há mais descanso enquanto não chegar ao ponto de nada sobrar.
Isabel Allende em “Afrodite”:
“Que mulher não terá visto as suas defesas desaparecerem perante uma caixa de chocolates. Numa viagem ao interior da Índia não consegui encontrar chocolate e sofri um tormento de privação tão grande que compreendo agora o drama dos toxicodependentes.”
No nosso imaginário o chocolate está sempre ligado ao amor.
Se existe alguém que consegue ficar indiferente ao chocolate, esse alguém não merece o ar que respira. Ou melhor: terá que consultar um médico pois está gravemente doente.
Gostava que vissem os olhos do neto quando ouve a palavra mágica: chocolate? Ele não diz chocolate, diz “colate”.
As memórias de infância têm chocolate espalhado por todos os cantos. Lembra as sombrinhas de chocolate, coelhos de chocolate, carrinhos e, imagine-se, cigarros de chocolate. Os fundamentalistas hoje partiriam a loiça toda, apelariam ao Vaticano se fossem confrontados com o drama, o horror, a tragédia de as criancinhas comerem cigarros de chocolate. Lembra-se da Fábrica de Chocolates “Favorita”, ali em Sapadores, estão lá agora a construir um condomínio fechado. O aroma do chocolate a impregnar as ruas do bairro e tudo à volta ,o perfume do chocolate enquanto caminhava para o Liceu Gil Vicente ou para a casa da avó na Rua Senhora do Monte, tempos de uma Lisboa triste e pobre com miúdos a contentarem-se com o cheiro do chocolate. Lembra-.se, também, da “Regina”, da fábrica chocolates “Vianense” em Viana do Castelo, assim com uns chocolates mais para o baratucho.

“Força é a capacidade de partir uma tablete
de chocolate em quatro partes com as própria mãos –
e depois comer apenas uma dessas partes.”
Judith Vorst, poetisa norte-americana

Ferdinand para concretizar o pedido de casamento a Marília meteu o anel de noivado dentro de um grande ovo de Páscoa e deu-lhe enquanto jantavam no pequeno restaurante do bairro. Ferdinand sabia que Marília era doida por chocolate e mal lhe desse o ovo ela o abriria imediatamente e encontraria o anel. Sonhara, vezes sem conta, com o momento em que, abrindo o ovo, ela se deparava com o anel. Mas Marília nessa noite não estava para chocolates. Sorriu, agradeceu e pôs o ovo de lado, adiantando que o comeria ao deitar. Ferdinand ficou sem saber o que fazer, ainda insistiu duas ou três vezes, mas Marília não estava mesmo para chocolates. Ter de dizer o que estava dentro do ovo de chocolate tornou-se uma inevitabilidade.
A realidade não é feita de príncipes encantados e cinderelas e os sonhos, sonhos mesmo, tornarem-se realidade, só nos contos de fada. Isso aprendeu Ferdinand nessa noite e também que os sonhos são apenas isso e o melhor é deixá-los ficar como estão.

“Bendito chocolate que, depois de ter corrido o mundo
no sorriso das mulheres, encontra a morte num beijo der-
retido e saboroso dos seus lábios.”
- Brillat Savarin, gastrónomo francês

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Cientistas americanos garantem que o chocolate faz bem ao coração e pode reduzir o risco de ataques cardíacos.
A associação entre a substância do cacau e a diminuição da pressão arterial é conhecida há cerca de vinte anos, mas nenhum estudo havia sugerido até agora, segundo a cientista Diane Becker, que o consumo diário de pequenas quantidades de chocolate poderia ser tão positivo para os cardíacos.
Mas lá está o pormenor das “pequenas quantidades” de chocolate, o que não permite qualquer possibilidade de chegarmos à gula, esse terrível pecado mortal…
Um outro estudo revela que o chocolate negro melhora o funcionamento das artérias, segundo um estudo publicado que confirma as virtudes medicinais do cacau para o sistema cardiovascular já evidenciadas em outras investigações. Sem estimular o consumo exagerado de chocolate, outra vez as quantidades, os pesquisadores da Universidade de Yale, no Estado de Connecticut, julgaram que os resultados do seu estudo são suficientes para justificar outras pesquisas num período mais longo e com pessoas escolhidas aleatoriamente."Nesta amostra de cerca de quarenta adultos com boa saúde, o consumo quotidiano de chocolate negro por um curto período resultou numa melhoria do funcionamento celular das artérias e pensamos que um estudo clínico mais demorado poderia mostrar mais efeitos positivos", explicaram os médicos.

“Amem o chocolate loucamente, sem complexos nem
falsa vergonha. Lembrem-se que sem um toque de
loucura não existe homem sensato.”
- Brillat Savarin, gastrónomo francês

Teun Van de Keuken, um jornalista holandês de 35 anos pediu a um tribunal de Amsterdão para ser condenado por comer chocolate. Diz ele que ao comer chocolate está a contribuir para a escravidão infantil nas fazendas de cacau da Costa do Marfim e, ao mesmo tempo é uma oportunidade de forçar a indústria de cacau e de chocolate a tomar medidas mais duras para acabar com o trabalho infantil. A Costa do Marfim é o maior produtor mundial de cacau e é acusado por grupos internacionais de direitos humanos de usar crianças como escravas nas plantações.
Estima-se que 40 a 50 milhões de pessoas no mundo vivem do negócio do cacau. Na Costa do Marfim ou no Gana as crianças estão à mercê de pequenos agricultores. A Organização Internacional do Trabalho. admite que 132 milhões de crianças trabalham na apanha do cacau.

“Veneza é como comer uma caixa inteira de bombons de
licor de uma só vez.”
- Truman Capote

“Chocolate” é um delicioso filme de Lasse Hallstrom, um conto de fadas, delicioso pelos chocolates mas também – e não é aspecto de somenos – pela Juliette Binoche. Disse já não lembra quem, que é um filme para comer com os olhos.
“Fábrica de Chocolate” é um filme de Tim Burton, mas não tem Juliette Binoche.
“Como água para chocolate” é um filme de Alfonso Arau, mas também não tem Juliette Binoche. Por sua vez o Tom Hanks, na pele de Forresrt Gump, sentado num banco à espera de um autocarro diz: “A vida é como uma caixa de bombons. Nunca sabemos o que nos espera…”
Mas seria imperdoável falar de chocolate e não trazer um pedacinho da “Tabacaria” do Álvaro de Campos. E fiquem a saber que não há um único problema que um chocolate não resolva:

“Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso, e ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida!”

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4 comentários:

  1. ... de certeza que o Afonso melhorou essencialmente com as histórias. Ainda sem netos - que me irão "estragar" completamente um dia que cheguem-, inventei inúmeras histórias para a descendência, pois preferiam-nas às que lhes lia quando faltava a imaginação. A personagem de eleição era a "bruxa do mar" e o seu maléfico cúmplice, o "pássaro faísca". Também apreciavam uma outra figura que vivia numa casa abandonada, de seu nome "Manuela das sonecas".
    Quanto aos chocolates, nem teço comentários... são uma das "partes fracas" (ou "fortes"?):)

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  2. Sim, Teresa, melhorou, mas não por causa das histórias, antes pelas injecções de penicilina, ele que até pensava, dado os avanços da indústria farmacêutica. que já não se usava penicilina
    Quanto aos livros de histórias a coisa está complicada: a televisão é um gigante para os quais necessitava de outro tipo de armas para combate e não sabe quais: só se lembra de persistência, mas aí há o risco do comentário: "oh avô! És um chato! Deixa-me ver o Panda!"
    Ficar assim a olhar, sabe lá para onde, livro de folhas abertas descaído entre as mãos...
    Dizia ontem: "não há um único problema que o chocolate não resolva."
    Não é bem asim... hélas!

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  3. Também pensa que sim, mas não é fácil, diga-se. Se os adultos passam horas e horas frente ao televisor poderíamos esperar outra coisa dos miúdos?
    No panic...

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