26 de novembro de 2008

Retratos de autora ou confesso que vivi

Aurélia:
Conhecia-a com respeitável idade, é pequenina, resistente, conversadora.
Uma energia invejável que poderia iluminar os vindouros.
Passou pela vida nos limites da resistência, vinda jovem de serras algarvias, ocupando quartos alugados de onde se mudava quando o dinheiro não chegava ao fim do mês.
No chapelaria onde trabalhava, na baixa lisboeta, levava diariamente merenda de linguiça e pão escuro, ração económica que lhe permitia a subsistência.
Ria e cantava, tendo como lema diário: "tristezas não pagam dívidas".
N'Gunza
Estafeta de profissão na grande cidade africana, a brancura do sorriso a sobressair de escura pele, idade indefinida. Na enorme empresa sorria diariamente, pequeno raio de sol entre computadores e maquinaria, tendo-me adoptado, em idade dos seus filhos mais velhos, como "tia Teté".
No dia em que parti, houve festa surpresa lá pelo departamento e não pude deixar de o convidar.Um dia, por modernices e conveniências climatéricas, quando o edifício foi pintado de uma brancura sem mácula, confidenciou-me: "tché, tia, prédio branco é hospital de malucos!"
Manuela
Pré-adolescente, vivendo na área rural da grande Lisboa, apresenta-se na escola sem vacinas actualizadas. Contactada a família formada por humildes trabalhadores criadores de gado, ouve-se a resposta convicta: "não vacinamos a nossa miúda porque o vizinho do lado chamou o veterinário para vacinar os animais e, passado pouco tempo, eles adoeceram."
(os nomes das personagens são fictícios)

4 comentários:

  1. a 'manuela' podia ser filha numa qualquer filha de alemães, ou austríacos, ou holandeses que pululam pela serra do açor e se recusam a deixar vacinar os filhos alegando que o corpo deve criar defesas naturais contra as doenças e uma ervas fazem as vezes das vacinas.

    há uns anos (poucos) participei numa discussão com um desses em que o médico ameaçava que iria mandar a gnr buscar os filhos para serem vacinados e participar dos pais por maus tratos (médicos) aos filhos.

    provavelmente os pais devem ser uns licenciados numa qualquer bodega na terra deles e muito civilizados quando vão de férias.

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  2. Dou graças por N'Gunza nunca ter visto de que cor pintei as paredes interiores da minha casa.

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  3. Carlos,
    a manuela podia ser uma jovem alemã, ou nem tanto, pois a opção em "não vacinar" fundamenta-se em teorias diferentes, embora o absurdo seja realmente "não vacinar".
    Conheci os donos do extinto restaurante "A Biológica" , portugueses com escolaridade que ainda não tinham registado a filha de 3 anos, pois era a forma de contestarem o sistema...
    Rosarinho,
    se o N'Gunza ou Miguel, como alguns lhe chamavam, viesse a Portugal e me visitasse, tamnbém incluía a minha casa no rol das instituições psiquiátricas (quanto à opção de pintura das paredes exteriores):)

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  4. eu acho muitíssimo bem que as pessoas protestem contra o sistema.
    mas com o corpo e com o futuro delas.
    do mesmo modo que discorde (embora aqui ache menos grave) que se baptizem as crianças que não podem escolher a sua religião, acho que cada um de nós pode (e deve) tomar para si a decisão de receber ou não vacinas, de faltar ao dia da defesa nacional, de pagar os impostos.
    mas não tem direito de não registar os seus filhos e não tem direito a não os vacinar.
    os filhos não são nossa propriedade.
    não somos donos deles.
    temos sim responsabilidades.
    e uma delas é deixar que sejam eles a escolher as suas lutas no futuro.

    esse caso seria suficiente para eu não por os pés nesse restaurante. seguramente

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