Não foi há dez anos que deixou de o ver no “1º de Maio” a comer Morcela da Beira frita com grelos salteados, meia garrafinha de tinto, ou no “British-Bar”, whiskynho, cigarro nos dedos, a olhar o relógio em que os ponteiros andam ao contrário, ou em amena cavaqueira, foi tempos antes quando se prontificou a dançar uma “Valsa Lenta” com a tal ingrata senhora que para uns veste de branco, para outros veste de negro.
Quando estava chateado, ou as coisas não lhe corriam de feição, o José Cardoso Pires, dizia sempre “a culpa é dos padres”.
Claro que não pode culpar os padres por ter deixado de encontrar o José Cardoso Pires aí por Lisboa, sim só aí porque para o resto é apenas chegar àquele pedaço de estante e ler-lhe os livros, poucos mas muito bons. São, antes, retalhos, coisas da vida. Poderia tentar o panegírico mas é domingo, dia agreste, de melancolias inevitáveis e não lhe está no feitio. Vai por isso à estante e retira o “Alexandre Alpha”, um dos seus livros mal amados não só pela crítica como por grande parte dos seus leitores. E, caro José, como dizia a Alexandra, isto continua a não ser um país, continua a ser um sítio mal frequentado.
“Aqui nos bares do Chiado e balcões adjacentes era sabido que Opus Night, com a sua elegância de bom corte, cravo ao peito e voz sonante, tinha duas memórias distintas, uma para a noite, outra para o dia, sendo a primeira a mais certa por causa das fidelidades do vinho e a segunda a dos desastres e das corrosões por causa das borras acumuladas de véspera. (…) Conhecia Lisboa pelos ocos do sono geral e quanto mais melhor. Tanto assim que os barmen, sempre que lhe queriam lembrar um assunto sério, nunca o abordavam à chegada: esperavam pelo álcool porque com o álcool é que ele tinha a memória a direito. Antes disso era arriscado, antes disso Sebastião Manuel andava noutro hemisfério por via da lua diurna e tudo lhe saía encadeado, tudo ondulava em miragens, datas, encontros, memórias, mesmo as pessoas com quem bebia todas as noites lhe pareciam duvidosas. Para cada acontecimento tinha a sua versão sem copos, que era a mais maligna e mais suspeita, e a versão da noite, essa, sim, exacta e correntia. Mas, cuidado, tanto no lado certo como no lado funâmbulo contava os casos pontualmente e repetia-os as vezes que fosse preciso sem falhar um pormenor, uma vírgula. Amigos e conhecidos tinham, assim, duas vidas conforme a luz e a hora de Sebastião Manuel Opus Night.”
Nunca o vi no 1º de Maio, que aliás agora está bem pior.
ResponderEliminarMas no Oculista das Avenidas, ou lá como se chama, vi-o 3 ou 4 vezes e achei, apesar de o apreciar como escritor, que como pessoa de agradável pouco tinha.