Chegou a hora do quotidiano milagre do pôr-do-sol. Vénus aparece, incendeia o céu por cima de Itaparica e tudo o resto fica na sombra. Os joggers da tarde esfalfam-se sem olhar para as cinco milhas de água cada vez mais escura que nos separam da ilha, em frente; as caipirinhas começam a aparecer em cima das mesas; os miúdos voltam das escolas acompanhados por mães cuja única vontade parece ser fazerem muitos mais ali, agora; o crepúsculo é rápido, quotidiano, mágico. E Vénus preside, sozinha, todas as noites. Só quando o milagre terminar se fará acompanhar.
E onde está o Salvador III, caro Luís?
ResponderEliminarBom trabalho e bom descanso, por aí.
Oooops, numeração corrigida. Obrigado (e igualmente, já agora).
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ResponderEliminarMeu caro Luís, não me diga que Salvador não ganha outro encanto neste seu quadro, em que se expressam sentidos que a cidade real certamente não me despertaria (eu que tenho a visão orientada para os sinais estáticos da «arquitectura», mais do que para o movimento da vida).
ResponderEliminarLuísa, obrigado.
ResponderEliminarÉ difícil apreciar Salvador de um ponto de vista arquitectónico: por atacado, 70% da cidade é constituído por favelas. No retalho, não há qualquer espécie de unidade visual mesmo dentro dos quarteirões normais, ou ricos. O pior convive com o melhor num alegre, ou ligeiro, ou inconsciente caos, como preferir.
Por mim, que prefiro a selva a qualquer jardim, gosto. Mas não da arquitectura: é a vida, anárquica, exuberante, irrefreada, que me seduz.
De resto, é lamentável. Prédios degradados (a fazer lembrar Lisboa, infelizmente, mas em muito maior quantidade), sujidade, uma agressão permanente aos sentidos (sobretudo o olfacto e o ouvido); Salvador é amável não pelo que se vê, mas pelo que se intui.
A pobreza, por muitos "Tortilla Flat" que se tenham lido, não é bonita.
Apesar disso, Salvador tem sítios de uma beleza inacreditável, insuportável: hoje fui passear para um quarteirão pobre, uma dessas baías imbricadas na baía que, a certa altura, me fez pensar na Grécia, ou num país mediterrânico. Mas a pobreza, a sujidade, o cheiro feriam, agrediam, enfureciam - que desperdício, que inutilidade.
Esta cidade é uma cidade para todos os sentidos, mas exige uma carapaça, ou um optimismo, inexpugáveis.
Cada vez me é mais incompreensível porque gosto, cada vez mais, dela.