27 de fevereiro de 2008
Gatos e críticos
"Summario:
Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e fez o crítico à semelhança do gato.
Ao crítico deu ele, como ao gato, a graça ondulosa e o assopro, o rhon-rhon e a garra, a língua espinhosa e a calinerie. Fel-o nervoso e ágil, reflectido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura, e para os amigos bom rapaz, desconfiado para ps indiferentes, e terrível com agressores e adversários. - Um pouco lambareiro talvez perante as belass coisas, e um quasi nada sceptico perante as coisas consagradas; achando a quasi todos os deuses pés de barro, ventre de giboia a quasi todos os homens, e a quasi todos os tribunais portas travessas - amigo de fazer jongleries com a primeira bolla de papel que alguém lhe atire, ou seja um poema, ou seja um tratado, ou seja um código - Paciente em aguardar, manso e apagado, com um ar de mystério, horas e horas, a sortida de um rato pelos intersticios d´um tapume, e pelando-se, uma vez caçada a preza, por fazer da agonia d´ella uma distracção; ora enrolando-a como um cigarro, entre as patinhas de velludo; ora fingindo que lhe concede a liberdade, e atirando-a ao ar, recebendo-a entre os dentes, roçando-se por ella e moendo-a, té a deixar num picado ou num frangalho"
Fialho de Almeida, Os Gatos
Fotografia de Jean Gaumy: o gato Pataud
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