24 de julho de 2007

Notas do Rio: A Rocinha

A imagem que nos chega das favelas é invariavelmente de uma espécie de Texas em versão cobóis pós-modernos: gangues aos tiros, droga, desgraça total.

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E, contudo, a realidade é muito mais interessante que estas meias ficções. Sim, há guerras entre gangues, e incursões da polícia, e uma ou outra bala perdida que, muito raramente, faz uma vítima inocente. Coisas que aos nossos olhos assépticos, urbana e impecavelmente europeus, de fato, tailleur ou pólo de marca, causam medo e um reflexo de fuga. Só que reduzir as favelas a esta caricatura de filme série B, mais que redutor, é um erro grave de avaliação.

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A Rocinha é alegadamente a maior favela do planeta – são, pelas estimativas locais, cento e cinquenta mil almas que se esmifram no dia a dia para prosseguir com a sua vida. O que é verdadeiramente extraordinária é a metamorfose que, lentamente, se está a verificar na Rocinha. De um amontoado anárquico de barracas está a desenvolver-se uma estrutura social coerente que, continuando a ser a última saída dos muito pobres, demonstra que o ser humano arranja sempre uma maneira de dar a volta por cima. E os sinais de evolução, discretos mas seguros, aí estão. O pequeno comércio fervilha. Há empresas organizadas dentro da Rocinha, nomeadamente de moto-táxis – o sítio é incrivelmente empinado e as ruas são estreitas, pelo que a mota é o meio de transporte por excelência. Há bancos importantes, como o Bradesco ou o Itau, que abriram delegações dentro da Rocinha. Existe o equivalente das nossas Lojas do Cidadão. Cadeias de frutarias que se encontram nos melhores bairros do Rio abriram lá lojas. E, muito importante, muitos habitantes que, anteriormente, quando davam o endereço diziam morar na Gávea ou em S. Conrado, os dois bairros limítrofes de nível social elevado, hoje dizem sem problemas (e até com algum orgulho) que moram na Rocinha.

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Não, este não é um post do turista que vai lavar a alma em auto-complacência sobre a miséria alheia e regressa feliz à civilização. É a percepção de que algo está a acontecer naquele lugar, não sei se uma estrutura nova, se a rampa de lançamento de um modelo diferente de organização da sociedade. Claro que no fim este fenómeno poderá não dar em nada e apagar-se, à medida que a sociedade brasileira evoluir em termos de bem estar social. A verdade é que o esforço de sobrevivência sobre-humano aliado ao optimismo daquelas gentes me faz pressentir que o futuro passa por ali.

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