31 de dezembro de 2006

O menino Jesus das Xabreganas


"No convento de Xabregas havia uma imagem do Deus Menino, deitado nas palhas doiradas dum presépio. Chamavam-lhe as xabreganas o "Menino do Presépio". e era objecto da mais entranhada paixão por parte de toda a comunidade. As suas alfaias, os adornos do altar e as peças de roupa eram preciosas. Havia uma religiosa especialmente encarregada do enxoval e brincos da imagem e tudo isto estava devidamente inventariado. Quando acabava o período da conservadora desse curioso museu e outra entrava para o disputado lugar, passava-se recibo e por pouco não se fazia auto solene de entrega. Em face do inventário donde constam as assinaturas de doze freiras desde 1740 e tantos até 1767, a gente pasma da amorosa ingenuidade daqueles espítiritos anormalizados pela clausura. "O menino Jesus de Xabregas", além da vara de açucenas simbólica, de duas coroas e de quatro resplendores, tinha inúmeras peças preciosas, adornos e joías. O oiro, esmeraldas, os aljôfares e os esmaltes abundam(...) Aos vestidos (...) juntavam-se infantilmente uma carapuça e dois cueiros. Na roupa branca figuram barretinhos, volvidoiros, paninhos, lençõis, fronhas e um colchão; (....) O mais curioso porém, é que as alfaias e objectos do menino não ficavam por aqui. A devota imagemzinha que constantemente sorria aos olhos apaixonados das religiosas, deitada sobre o paninho da Olanda que forrava a manjedoura bíblica, tinha também brinquedos e livros, como qualquer bébé, para se distrair nas longas noites conventuais, entre vésperas e matinas. Até onde iam os cuidados e carinhos maternais das xabreganas pelo seu menino, vai ver o leitor. No inventário acham-se mencionados dois livrinhos e onze cadernos de entremezes. Isto para as suas divagações literárias. Para os seus ímpetos de creancice, para as suas folgas e suetos, tinha à sua disposição, um pandeiro, três pares de castanholas, um tambor com as respectivas vaquetas, uma cadeirinha, um carrinho , um cavalinho e, para que nada faltasse, um assobio. Em 1751, Sóror Isabel da Visitação, que era então a guarda do precioso tesoiro, talvez em compensação de ter dado, a um menino Jesus dum pobre uma opa velha, acrescentou às distracções do pequenino Deus, um livrinho de adivinhações. Nada faltava, pois, e não havia razão para que o Menino se aborrecesse. Até podia decifrar charadas..."

Relação de vários casos notáveis sucedidos em tempo na cidade de Lisboa, agora comentados e dados à luz por Gustavo Matos Sequeira, 1925

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