28 de julho de 2006

Gisberta 3

As pessoas de 14 e 15 anos que espancaram, violaram, torturaram e mataram Gisberta afinal não são pessoas, são sub-humanos. E afinal não são adolescentes, são crianças. Será que o Hitler também não era pessoa adulta, era criança sub-humana e portanto pode ser desculpado?

Há uns anos atrás foi cometido um assassínio racista no 10 de Junho. Felizmente, com toda a razoabilidade e justiça, a “opinião pública” (comentadores de jornais e as pessoas que conheço) apresentaram uma disposição no sentido de desejar o castigo dos criminosos.

Agora em relação ao caso Gisberta, há quem queira desculpar os criminosos com base no argumento de que eles nem sequer talvez tenham tido consciência que praticaram um crime, afinal eram “crianças”.

Será que os que mataram no 10 de Junho, se tivessem entre 14 e 16 anos, também gozariam do benefício desta argumentação das crianças sub-humanas que não sabem o que fazem? Se não, porquê dar esse benefício aos assassinos da Gisberta?

Os argumentos da desculpabilização são intoleráveis para mim. Dizer que alguém que tem inteligência para escolher entre esta ou aquela forma de tortura e para optar entre uma forma de matar que dá mais nas vistas e uma mais discreta não tem inteligência ou consciência ou o que quer que seja para discernir o bem e o mal é uma coisa que não consigo engolir. E acho que uma visita a uma prisão não ia alterar em nada esta minha opinião. Para mais, não sou eu quem parece demonstrar uma ingenuidade sem qualquer fundamento e precisar de descer ao “real world”. A maldade existe.

O que eu acho é que a revolta provocada na opinião pública nos casos de crimes racistas é muito mais forte do que no caso de outros crimes de ódio. E o problema não é por excesso no primeiro tipo de crimes mas por défice em relação a todos os outros. É que a gravidade moral de um crime realizado simultaneamente por ódio para com alguém mais frágil e por “divertimento”, i.e., pura maldade não é inferior à gravidade de um crime praticado por um outro tipo específico de ódio, o ódio racista.

É como se a repugância em relação aos crimes racistas tivesse, a par da sua origem emocional e racional, uma origem cultural, baseada na aprendizagem informal enquanto que em relação a outros tipos de crimes de ódio a opinião pública ainda não tivesse sido sujeita a um mesmo tipo de aprendizagem e, daí, a sua repugnância em relação a estes crimes fosse menos intensa do que em relação àqueles.

Pelo exposto, se a opinião pública já exige, e bem, castigos pesados para os criminosos racistas, para os quais já não há, e bem, desculpabilizações condescendentes, ingénuas e irrealistas do tipo “as crianças de 14, 15, 18, 20 anos não sabem o que fazem” – então parece-me que seria desejável que a opinião pública exigisse também castigos pesados para todos os outros crimes de ódio. Os crimes de ódio, todos eles, não podem ser combatidos com o ódio, porque o ódio cega (i.e., o ódio não é racional e o que não é racional não deve servir de orientação política). Mas têm de ser combatidos pela punição. A impunidade sistémica é a forma mais perfeita de deixar grassar o ódio.

E não me venham dizer que castigar criminosos é injustificável porque a culpa dos crimes é do Estado que não preveniu e ou não soube criar as condições sociais que supostamente preveniriam os crimes (esta argumentação desculpabilizadora ainda é mais fraca do que a das “crianças sub-humanas que não sabem o que fazem”).


p.p.: o meu post sobre o filme “Dogville” também é sobre estes temas.
p.p.2: continuo a achar que recorrer a argumentos do tipo “eu tenho mais experiência do que tu que não percebes nada da vida” é um absurdo (no sentido de serem múltiplas e muito fortes as razões que apontam no sentido do fraco valor daquele tipo de argumentação).

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