27 de julho de 2006

Gisberta 2

Há uma semana, o Ministério Público fez cair a acusação, já por si materialmente absurda, de homicídio na forma tentada. Atira-se alguém acabado de ser espancado, violado e torturado para dentro de um poço com quinze metros de profundidade, esse alguém morre, mas considera-se que o homicídio foi apenas tentado, tendo a morte sido provocada por quaisquer outros factores, talvez o acaso. Agora, o MP faz apenas uma acusação de maus tratos.

Os criminosos confessaram que espancaram, violaram e torturaram várias vezes para se divertirem. Explicaram também que, depois de tentarem queimar a Gisberta viva, só não consumaram esse acto porque daria muito nas vistas. Optaram por atirá-la para o poço porque assim o caso só seria descoberto muito mais tarde e, portanto, as hipóteses de serem apanhados seriam mais baixas. Ou seja, optaram por uma forma de assassínio e não por outra não porque os fizesse divertirem-se mais mas para dar menos nas vistas. E agora nem sequer de homicídio na forma mais básica são acusados!

O MP tem duas funções: acusar em nome de toda a sociedade, que é lesada quando um dos seus membros é violentado e acusar em nome daqueles que não têm quem lhes valha. No entanto, não é isso que o MP faz. O MP acha-se muito superior e opta por ser uma espécie de pré-juíz: em vez de acusar, prefere escolher ele mesmo qual a pena a aplicar e depois pedi-la ao juíz. A defesa defende, o juíz julga e o MP julga também, desaparecendo por completo qualquer vestígio daquilo que apropriadamente é chamado de acusação. No caso Gisberta, a ausência da acusação é gravíssima porque também foi gravíssima a ofensa à sociedade (de forma individual e de forma solidária) e porque do lado da vítima não há quem forneça “protecção” póstuma.

Será que aqueles delegados do MP se tivessem filhos que viessem a ser espancados, torturados, violados e mortos por afogamento ou pelo fogo, contentar-se-iam em pedir ao juíz que fosse aplicada uma sanção por meras agressões físicas? O MP tem o dever, não é uma opção!, de defender a sociedade em geral e os indivíduos em particular como se de filhos se tratassem. Ao contrário dos juízes, o MP não tem de se pautar por um princípio de imparcialidade: o MP defende positivamente os direitos das vítimas de crimes e fá-lo legitimamnte CONTRA os suspeitos de crimes. Caso contrário deixa de existir acusação pública.

A Constituição da República Portuguesa garante a não retroactividade das disposições penais. Ou seja, o projecto-lei do CDS-PP no sentido de baixar a idade da imputabilidade penal dos 16 para os 14 anos, se fosse aprovado, nunca viria a ter aplicabilidade em relação ao caso Gisberta. Mas mesmo que fosse aprovado e pudesse ser aplicado a esse caso, com esta actuação do MP, o máximo a que aqueles criminosos estarão sujeitos é a sanções de internamento em regime aberto.

Os partidos que votaram contra o projecto do CDS-PP acreditam na reconversão moral dos criminosos jovens. Acho que a falta de imputabilidade criminal e o tipo de sanções ridículas que o MP agora pede, ou melhor, oferece só servem não a reconversão moral mas a convicção imoral que é possível praticar uma mistura dos piores crimes possíveis e imaginários e sair completamente impune. É a lição da impunidade que o PS, o PSD, o PCP , o BE e o Ministério Público dão àqueles criminosos cobardes.

Quando daqui por alguns anos esses criminosos voltarem a decidir divertir-se e, por mero acaso, forem apanhados, qual será a razão para serem novamente desculpados, compreendidos e até talvez mesmo vitimizados? Terá sido que nunca lhes deram oportunidades? Será que foi a sociedade, todos nós que fomos injustos para com eles? Ou será que não os soubemos integrar ou não lhes demos amor suficiente?

2 comentários:

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