9 de junho de 2006

a propósito de bairro alto, jornais e jornalistas


passei a minha adolescência no bairro alto.
entre os 10 e os 17 anos, trabalhava por lá. no 63 da rua da rosa, que mais tarde passou a 'casa da venda' do diário de lisboa.


cresci no meio de jornalistas e tipógrafos, prostitutas, estivadores, marinheiros, rufias, boxeurs arruinados e tudo o que era o bairro alto nos anos 60. muita gente boa.
imensos amigos que ainda hoje me fazem custar voltar ao bairro alto e ver alguns que conheci pujantes de vida, hoje a arrastarem-se de morte.
cresci entre o diário de lisboa (onde passava no mínimo uma hora por dia), o popular, o século.
conheci por dentro a bola, o motor (ao tempo ao fundo da luz soriano), a capital (depois da cisão no lisboa), o república. também conheci o diário da manhã e o seu filho marcelista, a época. e a comissão de censura ali na rua das gáveas, com a virgem em nicho ao cimo das escadas virada para a rua.
e os prostíbulos. o 30 da rua dos mouros, e o 8 das salgadeiras, e mais da rua da atalaia, mais a pensão da rua da rosa.
a todos ia levar comida que era uma coisa que os putos que trabalhavam nos restaurantes ao tempo faziam muito.
sim. conheci imensos jornalistas a quem a aprendi a ganhar respeito com a mesma veemência com que hoje ganho desprezo pela imensa maioria dos que escrevem nos jornais. do norberto lopes ao vitor direito. do neves de sousa ao assis pacheco. do mário castrim ao mario zambujal ou ao baptista bastos.
os putos novos escritores que invadiam o diário de lisboa e o seu 'juvenil'. grande parte dos principais nomes da literatura portuguesa conhecidos a partir dos anos 70.
deram-me o prazer de perderem tempo com um puto que trabalhava num restaurante e tinha uma curiosidade do tamanho do mundo.
aprendi imenso com eles.
e os tipógrafos: o caldeira, o loureiro, o tito. um ninho de anarco-sindicalistas e comunistas
e os fotógrafos. o salvador da luz, o lobo pimentel pai, o nuno ferrari.

o bairro alto era tudo.
mas eram principalmente a vida à volta dos jornais.
uma espécie de zona franca da informação onde era possível a quem nela entrasse saber as notícias que não saíam para a rua.

o bairro alto é um local mítico.


para mim por razões que não o são para a imensa maioria.
muito do que sou devo aquela amálgama de gente.

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