17 de maio de 2006

Autocarro Dezasseis, 18 horas de ontem



Estava imersa no meu livrinho habitual, quando ouço um som de fundo. Tento identificar quem está a falar tão alto. Vejo uma senhora de idade, com ar aparentemente normal a debitar o seguinte:

"Puta que pariu, eu cá sou uma mulher do Norte e minhota, se houvessem mais como eu não era esta merda do caralho de país. Umas vacas, são todas umas vacas. Olha aquele com ar de choné. Isto nem há sociólogos nem antropólogos que endireitem isto"

Neste ponto olhei para a minha vizinha de banco e pergunta-me ela. "Estará a falar ao telemóvel?" eu respondo "Não me parece".

"Olha o Arco do Cego, os correios. Caralho dos correios fazem greve só um bocado. Deviam era fechar de vez, grandes cabrões. Olha-me a figura daquela puta. Aquela saia. Todas umas vacas digo-vos eu. Eu sou uma mulher casada. o meu marido até pagou oito euros por uma consulta"

A minha vizinha do lado dá-me uma cotovelada delicada e diz " Parece que é maluca, mas não pudemos criticar, quem sabe se não acabamos como ela". Eu concordei, claro.

" A culpa é dos pretos e desses brasileiros. No meu tempo não era assim.O Salazar é que era. Fechem os transportes e andem a pé. Eu há setenta anos só andava a pé. Suas vacas! Olha mais vacas a entrar para o autocarro".

Passa uma senhora esgalfada a rir-se e diz-me " De facto estamos todos a enlouquecer, há alguma coisa no ar" e sai às gargalhadas do autocarro.

Um homem refila "Estamos fartos de ouvir as suas ordinarices".

"Seu paneleiro, essa raça está a deslustrar o país, um caralho que os foda a todos....."

Quando saí do autocarro no términus, estava dividida entre a vontade de rir, no interessante que foi ver como todos nos aliámos contra a senhora dos monólogos e pensar na solidão em que ela deve viver. Porque para azar do motorista ela tinha passe e ia continuar a fazer o percurso, em looping talvez:)

Acho que os motoristas da Carris devem andar todos nos psis:)

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