1 de março de 2006

Composição

Tema: Vergílio Ferreira

O Vergílio Ferreira é um escritor português: romancista, ensaísta e “postador” (no papel). É hábito dizer-se que é o introdutor do existencialismo ateu nas letras portuguesas. Mas Vergílio Ferreira é um existencialista ateu de certa forma optimista, eu atrevo-me mesmo a dizer que ele é feliz. Ele apresenta a beleza e a harmonia fundamentais comuns a tudo, às coisas e à humanidade. A harmonia é simples, evidente, não necessita de ser racionalizada. A simplicidade e unidade do universo, a existência de uma só matéria comum, sem sentido nem destino, é a “tese” fundamental de Vergílio Ferreira (duvido que ele gostasse muito da palavra “tese”). A outra tese é a do milagre de sermos simultaneamente nada, iguais a todo o resto da natureza e do universo e únicos, individuais. Sem sentido, mas únicos. Ainda uma terceira tese: nada tem um sentido, mas no limite o que quer que seja que desejemos perspectivar (“perspectivar” é melhor do que entender) deverá sê-lo tomando sempre a morte como referência. Vivemos entre dois vazios, dois limites, dois nadas: o de ainda não existirmos e o de já termos deixado de existir. Vivemos ainda entre dois outros limites: o da vida que vai sendo escolhida em nós e o das vidas que poderiam ter sido em nós mas não foram.

Na impossibilidade de falar da essência, do inefável, do incognoscível (o termo “vergiliano”) há duas opções possíveis: a da contemplação e a do contornar estético. Vergílio Ferreira propõe uma contemplação plácida, recusa a ansiedade da vida que sendo devagar ou a correr transporta-nos sempre para o mesmo fim. Mas Vergílio Ferreira executa também um contornar dos significados e das ideias genial. A sua arte não podia ser explícita quando o que pretende é revelar o incognoscível. Mas a magia com que usa as palavras permite revelar-nos o fundamental do universo.

Pela palavra de Vergílio Ferreira, é todo o universo, a vida e a morte e nós mesmos, únicos, que nos aparecemos.

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