24 de junho de 2005

A aventura do quisto

Acabou por acontecer numa tarde quente de Junho. Como é habitual nas coisas combinadas entre médicos, ficaram mal combinadas e, quando cheguei ao Serviço de Cirurgia, não havia nenhuma cama disponível. Bem, mudando este doente para ali, aquele para aqui, lá se arranjará uma cama… mas só depois das cinco da tarde, que é quando a "86" tem alta. Mas, já que ali estava, vai-se já canalizando a veia e pondo o soro a correr. Dito e feito, à primeira picadela. - Que soro se põe… Um Ionosteril? Uma Dextrose?Sei lá… eu hoje não mando aqui nada!

De repente vem a ordem - É para ir para o bloco… e rápido! Lá vou para a sala de tratamento, lá me dispo e visto aquela batinha ridícula, com abertura completa atrás, e lá me deito na fatídica maca com lona. Nem há tempo para a tricotomia… há-de servir a que eu tinha (mal) amanhado na noite anterior. A viagem é estranha, muito estranha… é mesmo como nos filmes, onde só se vê o tecto a deslizar e caras, de raspão, a acenar. E é extraordinário como caminhos que conhecemos tão bem nos parecem, de repente, completamente novos e desconhecidos.

Chegado sala fria, só pensava - Devia ter mijado!Não te preocupes, vai demorar pouco… já tem a Marcaína pronta? Marcaína!?… Pronto, já me enganaram. Iam-me fazer uma raqui-anestesia . Embora não tivesse ficado claramente definido, estava convencido que iria fazer anestesia geral. Bem sei que tem mais riscos mas é, quanto a mim, bem mais confortável para o doente. Já que não podia fugir, vamos a isso… em duas (ou três, já não me lembro bem…) tentativas estava a coisa feita. - Acho que isso ainda não está anestesiado!Não?? Então levanta lá a perna… E eu levantava, só que ela nem se mexia um milímetro – Sentes…? E eu nem sabia onde havia de sentir.
E durante meia-hora lá andaram eles a escarafunchar, algures lá em baixo, entre as nádegas. Eu, atordoado com algum Midazolam, estava na maior, palrava com a anestesista e tentava ouvir os murmúrios que vinham lá dos fundos.

Cheguei à minha cama, onde ia passar a noite… - Deves ficar assim, em decúbito dorsal, para fazer mais compressão – Tinham feito ressecção em bloco e encerramento com colocação de dreno. A recuperação será mais fácil e mais rápida… espero que tudo corra bem. – E não podes levantar a cabeça… durante 24 horas! – É por causa da raqui-anestesia… pode causar cefaleias, não sei bem porquê!
E lá fiquei. Dores poucas… doiam-me mais as costas depois de 3 ou 4 horas deitado naquela cama. E que cama terrível, com aquela protecção plástica que nos faz ficar pegados ao lençol. E como é difícil mandar uma mijadela no urinol, deitado de lado… difícil, mesmo… é preciso espremer-mo-nos muito, demasiado! E como é estranha a sensação de estar paralítico (e insensível!) da cintura para baixo e sentir, aos poucos, voltar tudo ao normal com um esquisito formigueiro cheio de comichão.

Passada a noite, estava tudo bem. Tudo bem, excepto a fome… estava fiado em comer um belo croissant misto por volta da meia-noite, mas nada – Está em dieta líquida… só chá! E lá fiquei, sozinho, no escuro, a sonhar com o meu lindo croissant misto.
Por volta das dez horas fizeram-me a famosa higiene hospitalar… gostei, gostei muito de ser lavado com uma esponja de água morna, de serem mudados os lençois, de me sentir logo "muito melhor". E percebi, mais um pouco, a importância do enfermeiro chegar, dizer bom-dia ou boa-noite, perguntar se está tudo bem ou se precisa de algo, falar sobre isto ou aquilo… mesmo quando quase nem é preciso, como era o meu caso. Faz-nos sentir "menos doentes"!

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