25 de maio de 2005

Portugal Preppy (2)

Tese

Entre duas teorias em competição e empatadas, ganha a que for mais simples. A simplicidade é um valor na ciência (e devia sê-lo na filosofia e na política). Os alemães são ricos e são-no há muito, muito tempo. Já eram em meados do século XIX, no início do século XX e entre as duas guerras. Enriqueceram de novo no pós-guerra. Exceptuando os interregnos das guerras, pode ser dito que foram sempre ricos. Portanto, não precisam de exibir roupas caras para demonstrar aos estrangeiros ou aos compatriotas que são ricos: toda a gente já sabe isso e sabe-o há muito tempo. E, mais importante, muitíssimo mais importante, os alemães não têm de facto qualquer interesse em demonstrar que são ricos nem aos estrangeiros e muito menos aos seus compatriotas: numa sociedade em que as desigualdades sociais são baixíssimas (é consultar, por exemplo, o World Development Report e comparar os índices de Gini da Alemanha com os da América Latina e de outros países europeus como Portugal, por exemplo), não faz muito sentido alguém mostrar-se rico porque toda a gente é mais ou menos detentora da mesma riqueza. Este argumento funciona para outros países que se podem orgulhar de terem sido ricos “desde sempre”. “Desde sempre” significa desde a revolução industrial (no caso dos países que efectivamente tiveram uma revolução industrial). “Desde sempre” obviamente não significa “desde o tempo das descobertas” ou “desde o tempo dos Jogos Píticos”.

Portugal é o caso contrário: tornou-se rico recentemente. Ou melhor, uma parte de Portugal tornou-se muito rica recentemente. O Portugal da capital, o Portugal dos tachos e dos funcionários públicos e pouco mais. Portanto, há um grande afã em demonstrar com veemência, uma veemência que chega a ser ridícula de tão exagerada, que somos ou que já somos ricos. Se possível, tentar demonstrar que afinal até já éramos ricos há muito tempo – daí o crescente interesse em Portugal por tudo o que tenha a ver com aristocracia, títulos, apelidos. E, sobretudo, tendo em conta as desigualdades sociais, há em Portugal a ânsia de demonstrar que somos mais ricos do que os outros. E como os outros fazem o mesmo, cria-se uma espécie de competição: comprar mais caro, cada vez mais caro e sempre que aquilo que se compra caro seja reconhecível como tendo sido muito caro. Quanto mais caro, melhor.

Ora as roupas de marca são precisamente o primeiro, mais simbólico e mais generalizado instrumento para atingir esse objectivo (tão importante) de mostrar aos outros que se é rico, que se é rico há já muito tempo e que se é mais rico que os outros (que fazem o mesmo). As roupas de marca têm as características essenciais para esse objectivo: usam-se publicamente (ao contrário da televisão de plasma que fica fechada em casa e cuja caixa de cartão gigantesca só pode ser deitada junto ao lixo uma vez), são mesmo muito caras (em termos absolutos), é fácil aos outros reconhecer que foram caras (não por inspecção da qualidade, mas por causa da própria marca gravada na etiqueta ou inscrita em letras garrafais como leit motiv decorativo do objecto) e, o que é muito, muito importante, são gigantescamente caras em termos relativos, ou seja, são mais caras que diamantes: os diamantes não têm substituto, as roupas de marca têm milhares de substitutos baratos em termos absolutos e baratíssimos em termos relativos: a roupa sem marca. Tendo substituto barato, só compra roupa cara quem tiver dinheiro... ou quem pretender demonstrar que o tem. Em qualquer dos casos, a motivação é a mesma: mostrar que se é rico, agora que Portugal é mais rico do que era, e mostrar que se é mais rico do que os outros, sendo que em Portugal as desigualdades são muitas. É aproveitar as desigualdades para benefício da própria vaidade, supondo que onde há riqueza há mérito, e isto num país que de competitivo, meritocrata e liberal não tem nada.

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