1 de maio de 2005

Momentos quase-perfeitos

Gosto de ter momentos quase-perfeitos...
Quando digo isto, e que nunca tive um momento perfeito, muitas pessoas franzem a testa e olham para mim com um misto de estranheza e pena. Invariavelmente dizem que devo ser bastante infeliz e que elas já tiverem inúmeros momentos perfeitos. Ora bem, pela minha parte já me cansei de as tentar rebater, mas penso que elas não sabem bem o que são momentos quase-perfeitos, nem momentos perfeitos... ou, pelo menos, como eu os defino.
Em primeiro lugar, não é verdadeiramente um momento, mas sim uma sucessão de instantes, de acontecimentos, de momentos que fazem um momento quase-perfeito. Pode demorar minutos ou horas, pode até passar de um dia para o outro, é muito variável. E porque é que não é um momento perfeito? Porque o momento perfeito é inatingível, por definição. O momento perfeito é uma espécie de Nirvana, o qual, se o atingissemos, nunca mais quereriamos sair dele... ou, se dele saíssemos, nunca mais nada nos saberia bem. Assim, na minha vida busco o momento perfeito, sabendo que nunca o vou alcançar, e obtenho múltiplos momentos quase-perfeitos que me satisfazem plenamente.

Este fim de semana tive mais um momento quase-perfeito.
Calhou, eu e a Nela, termos reuniões científicas em Lisboa... logo, aproveitámos para dar uma escapadela. Chegámos a Lisboa, na sexta-feira, por volta das seis e quarenta da tarde, já em cima da hora para a reunião da Nela. Esta decorreu num hotel muito esquisito: chama-se Ópera e fica exactamente debaixo da ponte 25 Abril... Depois de lá a deixar, meti-me no carro sem destino definido e acabei por parar junto ao CCB, onde entrei.

Começo do momento perfeito.
Eram sete horas, estava pouca gente no CCB, as exposições já estavam fechadas. Sentei-me na esplanada do páteo interior a ler uma revista e a beber um café. O sol de fim de tarde batia-me de viés, quente, aconchegante. As pessoas na esplanada, afastadas mas próximas, falavam de diferentes assuntos, em diferentes línguas. Uma rapariga, de telemóvel na mão dirige-se a mim, sorridente - Olá, boa tarde... sou... – perante o meu olhar admirado, desfaz o sorriso – Desculpe... deixe, foi engano! – olhou em redor, para o resto da esplanada, e liga o telemóvel. Um rapaz, lá ao fundo, acena, ela refaz o sorriso e dirige-se para ele [não, não era um blind-date... começaram a ver uma espécie de albúm com fotos e pouco depois chegou outra mulher!]. O sol desapareceu, vesti a parca e continuei a sentir-me aconchegado, enquanto acabava de ler a revista.
Por volta das oito e meia, saí do CCB e fui buscar a Nela ao tal hotel esquisito. Dirigimo-nos para o Ritz, onde tinhamos quarto reservado. Chegados lá, fomos tratados como se fossemos os tipos mais ricos do mundo: levam-nos a bagagem e o carro, marcam um restaurante e dão-nos sorrisos. O Ritz foi o melhor hotal onde já estive. Tem uma decoração elegante, sóbria e apaziguadora. Tem muito espaço, nos lobbies, nos corredores, nos quartos. Tem um esmero e um requinte, nos pequenos pormenores, a que nunca tinha assistido.
Jantámos num restaurante argentino que fica perto, grelhados claro. Foi uma excelente refeição, bem demorada, muito falada e muito regada. Voltámos ao Ritz e coíbo-me de relatar o que se passou durante a noite.
Acordei cedo, por volta das sete e meia da manhã, pois agora ando nesse ritmo. Enchi a banheira de água quente e enfiei-me lá dentro. É uma das sensações que mais gosto: o contacto da pele com a água quente, a sensação de vasodilatação, o parecer que quase flutuamos, o torpor que se instala... Fiquei ali, quase imóvel, até a água começar a arrefecer e a pele a gretar.
Desci para o pequeno almoço. A sala ainda estava quase vazia, soava música clássica, comi abundantemente, de tudo um pouco. Comprei o Expresso e subi, de novo, ao quarto. Abri a porta da varanda sem fazer barulho, sentei-me devagar, olhei para o parque, fumei um cigarro e li as gordas do jornal.. O sol de início de manhã batia-me de viés, quente e aconchegante.
Eram nove e quarenta e cinco, a minha reunião ia começar dentro de quinze minutos.
Acabou o momento perfeito.

PP: E perguntarão, porque não foi um momento perfeito...? Por várias razões, das quais destaco: tive que esperar muito pela Nela, junto ao hotel esquisito, e estava cheio de fome; o restaurante era um pouco barulhento, escandalosamente caro e a comida podia estar melhor – a carne estava muito salgada e o esparragado sem sal; a almofada não era grande coisa e a banheira um pouco pequena, para estar completamente esticado.

PPP: Que me desculpem os Voadores lisboetas, pois nem olá disse. Mas o horário era apertado e, que querem..., uma escapadela é uma escapadela!

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