11 de outubro de 2004

'com 18 anos de idade, na flor da mocidade...'

"com 18 anos de idade,
na flor da mocidade..."

a semana passada, ao ver um programa sobre a amália, dei por mim a lembrar-me da mais antiga canção de que me recordo.
tirando umas 'lenga-lengas' sobre chover e dar sol e a raposa no largar e outras coisas semelhantes, este romance cantado em fado menor é a primeira música de que tenho memória.
contava, ao que me lembro da história de uma jovem rapariga e da sua mãe ali para os lados de évora.

na minha infância não tinha rádio em casa (obviamente que também não televisão...), por isso as músicas de que me recordo eram as escutadas na rua.

naqueles tempos remotos era comum andarem uns cegos acompanhados de um outro senhor ou senhora a cantar pelas ruas.

cantavam 'à capella', normalmente com música do fado menor, umas histórias dramáticas de amores falhados, dramas passionais, mortes estranhas e outros temas interessantissimos.
o cego cantava e o seu acompanhante carregava a caixa preta com as enigmáticas letras 'a.b.l.b.' cravadas a branco e vendia uma folhas enormes (pelo menos para o meu tamanho) com as letras das histórias que cantavam e umas outras que seriam famosas ao tempo.
as iniciais 'a.b.l.b' eram um completo mistério para mim.
seria o nome do senhor?... o a.b. do começo era parecido com os bombeiros voluntários da terra....
devo ter construído umas dezenas de hipóteses para completar aquele enigma até ter feito a ligação entre aquelas letras e os sorteios do carro em cima da camioneta da da associação louis braille.
tambem era estranho para mim o cego cantar... e o outro (ou outra) carregar a caixa do dinheiro e vender as folhas com as letras das cações.
como é que o cego sabia o dinheiro que estava na caixa?
também estranhava que o acompanhante vestia melhor que o cego.
dava por mim a imaginar o que sentia aquele senhor que não via.
quem lhe dava comida... quem o vestia e lavava e tratava. onde viveria.
se ele saberia que eu estava em frente dele a ouvi-lo.
se ela saberia que era olhado e escutado por quem passava, ou apenas escutava as moedas que caíam na caixa.

uma noite destas, em fajão, tudo isto me voltou à memória.
e senti-me muito bem.


na infância, as nossas preocupações e os nossos mistérios são tão simples....

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