8 de setembro de 2004

Cientificamente Provado, Estatísticas e Verdade

Duvido sempre quando me dizem que uma coisa está cientificamente provada. Normalmente, o que acontece é que a ideia em causa não só não está provada como os cientistas discutem e apresentam várias alternativas a essa ideia. Isto acontece não só nas ciências sociais mas também nas naturais.

Diferentes interesses podem financiar estudos da ciência natural cujos resultados podem ter repercussões na antropologia de senso comum e na política. Poderia perfeitamente acontecer um laboratório financiado por uma certa organização chegar à conclusão de que um dos géneros ou uma das raças em particular tinha uma maior propensão genética para, por exemplo, a agressividade ou para o raciocínio numérico enquanto que outro laboratório financiado por outra organização, talvez rival da primeira, chegava a uma conclusão contrária.

Nas ciências naturais há ainda muitos problemas fundamentais que não estão fechados.

No campo do social, é típico inverter o método científico: em vez de se levantar uma questão e procurar uma resposta usando o máximo de objectividade e o mínimo, de preferência o zero, de subjectividade - o que se faz é começar com a tese a provar (que normalmente é a opinião particular, parcial e interessada do investigador) e tentar limitar o número e a natureza das observações realizadas de modo a confirmar a tese. Escolhe-se uma amostra que corresponda à tese, em vez de se optar por um universo alargado que permita identificar o facto objectivo generalizável (a "verdade").

Outros dois problemas das ciências sociais têm a ver com os números. Há primeiro que tudo o problema da sua falta: sem números, a discricionaridade de quem investiga ou de quem opina torna-se maior: aquilo que um considera de "fenómeno de grande magnitude" o outro considerará como "facto de significância marginal".

O outro problema é técnico: fazer bons estudos estatísticos requer um conhecimento técnico extremamente profundo. É muito duvidoso que quem esteja longe de ter um grande à-vontade com a matemática possa utilizar a estatística mínima para que o estudo numérico seja válido. O problema é que o mínimo de estatística para a validade de um estudo é, de facto, muito extenso e muito aprofundado.

Depois de feitas, mal validadas, com dados incompletos, completados por métodos ilegítimos, relativos a amostras não representativas, com selecção enviezada, com séries que não foram baseadas todas nas mesmas convenções, com níveis de agregação diferentes, referentes a períodos de tempo e a secções não comparáveis - as estatísticas são consideradas fiáveis porque provêem de uma entidade credível e prestigiada e são sujeitas à interpretação. A interpretação das estatísticas é como a interpretação do direito: é possível extrair as conclusões que se quiser e fundamentar todos os argumentos. Basta mostrar umas, omitir outras, pôr em relevo o que é insignificante, não fazer as comparações no tempo e no espaço que seriam interessantes, comparar o incomparável, assumir uma ideia como verdade e utilizá-la para produzir a interpretação da estatística que permitiria provar essa ideia.

Ninguém procura a verdade porque todas as pessoas são interessadas. E mesmo quando não têm interesses económicos e políticos (o que é raríssimo) têm, pelo menos, o interesse de serem felizes e isso, só por si, já altera muito a escolha das observações, já distorce muito o que deveria ser uma análise objectiva e compromete definitivamente a obtenção da verdade.

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