20 de agosto de 2004

O primeiro dia das minhas aulas na Escola Primária nº 69 da Rua dos Sapadores à Graça

Queridos e queridas teria que contentar a adorável menina errezinha e prosear sobre o meu primeiro dia de aulas de aprender a ler e escrever e essas coisas mais que foi numa data algo distante mas não vou referir datas porque as verdadeiras lades não têm idade só se exerce a dita até aos vinte e cinco e depois é deixar os anos paradinhos como convém mas prontos a porra do verbo salta-me depressa e eu quero falar do meu primeiro dia de aulas na escola nº 69 bela escola que ainda hoje se mantém com o mesmo nome ops número mas vou começar a contar a minha mãe foi comigo à Baixa comprar um tafetá cor de rosa e mandou fazer à Dona Arlinda um vestido aos folhos muito airoso e depois levou-me à saudosa Dona Ivete fazer uns caracóis tipo Shirley Temple e comprou-me uns sapatinhos de verniz e um casaco de veludo de outro tom de rosa mas a rimar tudo além disso a minha mãe obrigou-me a treinar uma vénia e comprou-me uma malinha singela também nos mesmos tons.
Levou-me pela mão ela própria à escola lá resmungaram qualquer coisa sobre a minha cédula apesar de eu ser legitimizada pelo meu pai que trabalhava no Batalhão de Bombeiros e tinha uns bigodes como agora não se veem mais ele fez-me a mim e à Floripides mas conservava outra família na Porcalhota mas tudo gente feia e sem interesse pela cultura e beleza e é neste momento que pego no lenço e me assoo meus saudosos pais que tanto me ensinaram e transmitiram sempre os valores mais importantes e isso que interessa e adiantando a escola era até engraçada mas as cadeiras eram de madeira e os outros miúdos um bocado maltrapilhos e com ar de rufias mas eu aguentei-me à bronca que remédio a troco da venda de beijos na cara debaixo da árvore do pátio e de lhes explicar os factos da vida que os gajos não percebiam mesmo nada de nada e consegui não estragar a bela da roupinha nem o penteado que eu já sabia mais da missa que o vigário.
Gostei sempre muito de ir à escola também não ia muito já se vê tinha que ajudar em casa e aprender outros ofícios mas a professora a Dona Felizarda era muito incompreensiva e ajudava sempre e prontos tenho pena de não ter estudado mais que agora era uma doutora como deve ser e talvez estivesse na politica quem sabe e é isto que se me oferece dizer cara menina errezinha e restantes beijoco-vos com muita adoração.

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