24 de agosto de 2004

A Manjedoura

Era uma vez um rapaz que tinha a mania de observar os outros com as lentes da sobranceria intelectual. O rapaz tinha 16 anos e andava a ler um livro de aventuras fantástico que se chamava "Materialismo e Empirocriticismo", quando decidiu juntar todas as latas de conservas que existiam em casa dos pais e partir para Vila Nova de Milfontes. Tinham-lhe dito que era um sítio óptimo para observar a espécie humana.
Na primeira noite (depois de várias tentativas para montar a tenda num sítio que não lembrava ao diabo) dirigiu-se a uma taberna onde se ouviam uma vozes que cantavam em várias idiomas as cantigas da moda da "esquerda folclórica".
Lá entrou o rapaz com o ar de quem vai tirar notas sobre a fauna para uma qualquer pesquisa.
Não havia lugar para sentar e acabou por se acomodar no chão junto a uma janela tendo por companhia um jarro de vinho tinto.
Ainda uma hora não tinha passado sobre o primeiro copo e já o nosso pseudo-intelectual berrava a plenos pulmões uma canção em italiano que lhe soava vagamente a um hino e deu por ele ladeado por duas raparigas alemãs do género misto (mistura de frigorífico com arca congeladora). O nosso herói não se lembra de mais nada com rigor. Apenas de umas mãos que entravam e saíam de dentro da sua roupa e de uma das alemãs a tentar perceber a que sabia o interior de um dos seus pavilhões auriculares.
E lembra-se vagamente de subir uma rua de braço dado com as ditas germânicas, ao nascer do sol, a cantar "vamos lá saiiiiiindo por esses campos foraaaaaa...."
Estavamos em 1976.
A filha mais velha deste personagem telefonou-lhe de Milfontes na semana passada a dizer-lhe que a Manjedoura já não existia.

1 comentário:

  1. Gostaria de deixar a mensagem que tal como as pessoas que marcam e que ficam para sempre...é por histórias como estas que a Manjedoura viverá sempre. Eu sou a filha do dono da antiga Manjedoura e a alegria que tive a ler estas palavras provam que há muitos bocados da Manjedoura a viver não só em mim, mas em muitos dentro deste pedaço de mundo e não só. Viva o Alentejo! Viva a Manjedoura e às muitas histórias da mesma. Saudades!!!!!

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