11 de agosto de 2004

A escola primária

Ontem o ataque de nostalgia ainda vingava de tal forma que resolvi procurar Milheirós na net. Para minha grande surpresa encontrei noticias de jornal (???), a foto do padre (grrrr), trabalhos de garotos sobre a terra - sobre o milho, os moinhos, os dois rios (dois!) que lá temos, uma pedreira, algumas fábricas - e ainda (E AaaaAAAINDA!!!) uma foto da minha escola primária (hoje parece tão mais pequena).

Foi lá que aprendi a crueldade e a humilhação. Foi lá que aprendi coisas boas também. A gentileza, a curiosidade e a amizade (assim mais ou menos, enfim). Mas suponho que o mais importante foi aprender as diferenças entre homens e mulheres (em versão júnior, mas estava lá tudo). Foi lá. Naturalmente nunca sequer passei perto do estereótipo da menina (era sensaborona e aborrecida), foi lá que tive consciência disso. Continuou pela adolescência, nunca fui Lolita e adorava Lolitas e adoraria ser uma. Pode ser muito confuso. Felizmente que a coisa se tem vindo a compor, embora a mulher que se espera (pela família, pelos colegas...) esteja ainda muito longe. Espero que não venha a estar mais perto do que está hoje. Gosto do desfasamento. Gosto. Adoro ver o desconforto provocado por um palavrão, por uma piada imbecilóide FernandoRocheira, ou por uma postura masculinizada. Gosto porque apesar de tudo as pessoas cedem, e eu com elas. Porque acaba por ser uma espécie de filtro.

Lembro-me de tudo isto quando penso na escola primária. Porque me lembro claramente de estar apaixonada por um vizinho, o mais bonito (para mim), o mais inteligente, e um dos mais gozados - ele não gostava de bola e não se ralava, eu gostava de bola (mas os rapazes me deixava jogar) e gostava dele e ralava-me um bocadinho. Acontece que ele não dava a mínima para mim, era feia, era um rapaz e era mal vestida, resumindo: uma esfregona pequenita. Tudo o que ele queria era a Joana, uma miúda bonita, loira, vaidosa, sonsa e ruim (a ruindade passou-lhe, a vaidade deixou de ser agressiva, ou seja, já não se importa tanto se não for a mais bonita, e hoje é ingénua e é minha amiga). A coisa nunca se consumou para qualquer dos lados, afinal tínhamos 6 anos. O Nuno é hoje um estudante muito competente, mas ganhou em arrogância o que perdeu em interesse. Hoje ele continuaria a preferia a Joana a mim. Não tenho dúvidas. E embora eu saiba que ele é conservador, embora eu não tenha por ele mais que uma simpatia ressentida continua a incomodar-me que a ele nunca o teria. Justamente por continuar a não ser uma menina. Não há, realmente, almoços grátis.


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