14 de junho de 2004

Querida A.:

Querida A.:

Sinto que preciso falar com alguém, de falar muito. Eu não quero ser chato nem quero transmitir a minha irritação a ninguém, quero só que alguém concorde comigo, que alguém me compreenda ou então que me faça ver que o mundo não é tão mau assim. Não é pedir muito: a maioria dos adolescentes é isto que pede, muita da música pop/rock é isto que diz, e livros não faltam com meios-heróis à procura de compreensão.

Em redor de mim toda a gente parece simpática mas cheira tudo a falso. As pessoas são simpáticas para obter favores, enquanto dependem umas das outras. São simpáticas porque no futuro pode ser que seja necessário ser amigo de alguém. Quem não entra nestas redes de hipocrisia é visto como estranho, como deslocado, ou como intolerante e severo.

Outra coisa que me incomoda até doer é a atitude generalizada das pessoas repararem em nós quando nós não estamos a olhar, só para depois desviarem os olhos quando nós as olhamos. Primeiro picam-nos as costas com uma curiosidade que agride a nossa privacidade, depois afectam um desprezo por nós como se valêssemos menos do que o ar.

Nos países frios em que o Verão é curto e sem calor, ninguém se queixa do tempo pois o tempo mau e frio é a normalidade, é o que se deve realisticamente esperar. Eu também não deveria queixar-me da maldade das pessoas pois isso é que é o normal. Acontece que eu não suporto o frio e sinto-me sempre desconfortável e oprimido pela normalidade.

Beijos

Ricardo

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