10 de maio de 2004

O milagre

O doente, chamemos-lhe Teófilo, quando entrou no hospital estava do pior, mesmo do pior que se possa imaginar. Já era, vagamente, do nosso conhecimento: bebedor de reconhecida valentia e preserverança, vinha mais uma vez com sua cirrose completamente descompensada.
Ficou alguns dias em SO nos quais tudo se foi lentamente piorando: a icterícia agravou-se, a ascite aumentou, vieram as febres e até convulsões. Entrou em coma profundo, num sono longo e sem volta, e nunca mais ninguém o ouviu pronunciar uma palavra.
Um dia, depois de de um périplo por alguns Serviços do hospital, veio parar ao nosso, cheio de tubos e catéteres. Ninguém continuava a dar um tostão furado por ele. Nada funcionava no Teófilo: mantinha-se no seu coma profundo, o fígado nas lonas, os pulmões mal respiravam e os rins tendiam a parar. Todos uns dias era um suceder de novos acontecimentos aos quais respondiamos como podiamos: novas infecções, novos antibióticos, novas intercorrências, novos tratamentos... e assim iam correndo os tempos, ao sabor dos acontecimentos.
Outro dia, muitos depois daquele em que lá tinha chegado, pareceu-nos que estaria menos amarelo, que até respirava melhor e a barriga estava menos inchada. Depois desapareceu a febre... a até começou a mexer as pernas e braços.
Até que abriu os olhos e... ressuscitou!
Mas não era este o milagre a que me queria referir. Este foi apenas raro acaso, um misto de êxito de ciência e de sorte.
O verdadeiro milagre é que, quando o Teófilo acordou, nunca mais disse uma palavara em português, uma que fosse... passou a falar só espanhol, um castelhano verborreico, fluente e bem timbrado, como se nunca tivesse feito outra coisa na vida.
Isto sim, é um verdadeiro milagre!



PP: Ò R, continuam a poder-se "plantar" imagens, carregadas ou linkadas...

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