28 de abril de 2004

Eu não queria, mas...

Eu acho que as meninas que vão ao programa se ganhassem iam sentir-se muito felizes por serem consideradas muito bonitas por todos. E assim já poderiam humilhar as outras meninas lá da escola e lá da rua. E se tivessem de passar por humilhações e mais humilhações para ganhar o prémio de beleza, deixavam e voltavam a deixar que fossem humilhadas e mais humilhadas. Aliás, vendo bem, é precisamente isso que todas elas objectiva e factualmente fizeram: candidataram-se ao programa que toda a gente já sabia de antemão que iria ser a versão concurso de beleza do Ídolos, programa este cujo prato forte era precisamente as críticas de caixão à cova dos "jurados". O sucesso do Ídolos deveu-se sobretudo ao júri.

Há muita coisa a dizer sobre este assunto. Vou só dizer uma que nunca ouvi a ninguém. O reverso da medalha da preocupação pela beleza do corpo é a discriminação dos que se estão nas tintas para isso ou que, por motivos pouco alteráveis, são feios ou têm má aparência. As pessoas esforçam-se por ser bonitas não apenas para serem mais facilmente aceites pelos outros mas também para poderem discriminar os outros, os feios, poderem põr-lhes a pata nas costas e passar-lhes à frente na vida. Eu não tenho grande compaixão pelas pessoas que ficam doentes de tanto se preocuparem com o aspecto, com o peso, etc.. Tenho mais simpatia pelas pessoas perfeitamente normais, perfeitamente naturais com todos os seus pequenos e habituais defeitozinhos do corpo, sobretudo quando elas são discriminadas.

Ando com pouca paciência para polémicas. Mas eu gosto de dizer o que penso e já que estamos em Abril... Eu ando de olhos aberto, ando ligado, tenho uma boa percepção social e posso dizer que raras são as vezes que observo situações de discriminação racial. Já discriminação religiosa é todos os dias: não se pode dizer mal do Islão nem do Judaísmo enquanto que afectar o preconceito anti-católico já fica bem a toda a gente. Quanto aos homossexuais, lamento que não seja na minha geração nem nas gerações que nasceram nos inícios dos 80s que se vai acabar com a discriminação. É claro que houve evolução: um homossexual bem comportado, que tenha maneiras e fale "à homem" já é respeitado, agora um "bicha", um daqueles bichas mesmo bichas, é sempre ridicularizado, como se ele fosse menos homossexual do que o outro ou como se ele não merecesse qualquer respeito. Agora, quando chega às pessoas feias ou mal vestidas ou com má apresentação, a discriminação é total, ocorre sempre, com probabilidade 1. É a forma de discriminação mais tolerada, mais comum, que ocorre mais vezes, que afecta mais gente e que, por maior absurdo e contradição social, por maior espanto e, no meu caso, indignação, ninguém nota, ninguém repara, ninguém critica.

Acho que estes programas e concursos de beleza contribuem para discriminar os feios e acho que essas meninas que decidiram participar nesses programas são responsáveis importantes por esse tipo de discriminação. Agora, se o feitiço se vira contra o feiticeiro e elas que eram feias e que gostariam de se destacar pela sua beleza acabam por ser humilhadas, é muito bem feito. Seja como for, há sempre uma esperança para algumas: fazerem um broche a este ou àquele senhor importante do mundo da televisão ou da moda, ou pura e simplesmente serem filhas de alguém importante (ainda que sejam feias e vulgares como um scotch britt). Se conseguirem ser bem sucedidas, tenho a certeza que dirão que tudo o que fizeram valeu a pena.

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