14 de dezembro de 2003

Apanhado

Das imagens com que nos estão a bombardear hoje choca-me particularmente a de Saddam a ser cuidadosamente observado por um médico (?) das tropas americanas: primeiro em busca de parasitas do cabelo e, em seguida, num exame da cavidade oral por razões que completamente me escapam (queixou-se de dores de garganta? querem tratar-lhe eventuais cáries dentárias? buscam um transmissor tipo James Bond num molar?). Um acto médico é sempre, e por definição, um acto privado, no qual a dignidade pessoal se encontra em jogo, exposto que está um ser humano ao escrutínio (habitualmente consentido, o que aqui não devia ser o caso) por outrem. Poder-se-á argumentar que foi para demonstrar o tratamento "humano" dado a Saddam. Não sou ingénuo. Quem introduziu estas imagens no briefing sobre o assunto sabia perfeitamente que esta é uma forma de humilhação equivalente a passeá-lo nu pelo meio de uma turbamulta ululante, ou a pendurá-lo pelos pés para exposição pública, ou a crucificá-lo, ou a filmar o seu cadáver de todos os ângulos possíveis, incluindo close ups em dose certa.

A marca de verniz modifica-se, a terminologia adapta-se às circunstâncias, mas a semântica da guerra é a mesma de há dez mil anos: os seres humanos continuam a ser os rematados filhos da puta que sempre foram.

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