22 de novembro de 2003

Estórias de minha infância (7) - O homem dos desperdícios

Lembrei-me desta história a propósito das insistentes campanhas para a separação e aproveitamento dos lixos. E dos meus filhos que reclamam, insistentemente, conta a generalizada falta de consciência ecológica. Reciclar, é a palavra de ordem...
Lembrei-me que, quando era da idade deles, se fazia uma separação natural, digamos...
Havia, lá em casa, dois baldes: o do lixo e o do desperdícios.
O do lixo era para as matérias inorgânicas, lixo variado e algum papel. Plásticos não havia (sim... não havia plásticos para deitar no lixo), latas e vidros guardavam-se para qualquer coisa, não se deitavam fora.
O balde dos desperdícios era para os restos de comida. E todos os dias lá vinha o homem dos desperdícios, montado num burro, com dois enormes bidons prontos para a transfega. Não me lembro se tinha algum grito de aviso, acho que não tinha, o cheiro bastava. Levavam-se os baldes lá a baixo, ele despejava para os bidons, lavava tudo bem lavadinho e marchava para outra recolha. Enquanto se afastava, ia deixando um rasto de pequenas gotas gordurentas no alcatrão e era seguido pelo seu bando de moscas privativas.
Era tudo simples e "natural": Comiamos com gosto, os restos eram recolhidos, iam engordar os porcos das quintas das redondezas, os porcos era mortos, nós comiamos os porcos!
Depois veio o progresso e acabaram estas terceiro-mundices. Passou a haver contentores, camiões de recolha e um só balde. O homem dos desperdícios deixou de aparecer. Chamava-se senhor Zé.

PP:
Li que, quando há um acontecimento muito importante para a sociedade, toda a gente se lembra do que fazia nessa altura. Mesmo que seja muito novo, com idade para se lembrar.
Eu lembro-me perfeitamente do dia 25 de Abril de 1974. Da chegada à escola, de haver muitos pais à espera de algo, dos professores com ar preocupado, de não haver aulas. Entre nós alguns falavam de revolução mas, a teoria mais aceite, é que tinha fugido um leão do circo que passava, por Portalegre, nessa altura.
Lembro-me da à tarde, lá em casa, muita gente ouvir rádio. Os meus pais procupados se tinham que comprar comida ou não. Uma prima minha a explicar-me o que eram revoluções. E um tio meu dizer: "Agora o Paulinho já não vai prá guerra..."

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